Queimadas, enchentes, secas e intensas ondas de calor são resultados cada vez mais aparentes das mudanças climáticas que têm tomado conta do território brasileiro. Mais do que um tópico debatido entre estudiosos da área, as mudanças climáticas passaram a ser sentidas no dia a dia pelos brasileiros, tornando-se motivo de preocupação com o futuro ambiental do país. É o que mostra a pesquisa Sustentabilidade e Opinião Pública, realizada em 2022 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Das 2.021 pessoas entrevistadas para o estudo, 91% afirmam ter percebido as mudanças climáticas nos últimos tempos. Além disso, 91% percebem o aquecimento global como um problema grave e 61% acredita que as mudanças climáticas são questões imediatas, que devem ser combatidas com urgência. “Nós estamos sentindo na pele, sentindo no próprio habitat e o ambiente está fazendo justamente aquilo que nós estamos provocando”, justifica o professor do Departamento de Geografia e coordenador da Estação Meteorológica da Universidade Estadual do Sudoeste Baiano (Uesb), Rosalve Marcelino.
As mudanças climáticas e suas consequências, de intensidades gradualmente maiores, são reações das ações humanas que desmatam e poluem – descontroladamente – o meio ambiente. Rosalve Marcelino explica que a presença de eventos climáticos extremos, como é o caso da La Niña e do El Niño, sempre existiram e sua periodicidade se repete com precisão. No entanto, o acúmulo de queimadas, por exemplo, contribui de forma negativa potencializando os efeitos desses eventos. “Esses eventos de tempo vão acontecer lá na frente, e nós sabemos, se continuar queimando, se continuar desse mesmo jeito que nós estamos fazendo agora com nosso habitat, essa situação vai se repetir lá na frente”.
No início deste ano, o Site Coreto publicou a reportagem “Após 2 anos das enchentes que deixaram municípios do Sudoeste Baiano em estado de emergência, cidades seguem sem medidas preventivas e planejamento para enfrentar novas chuvas”. O texto traz relatos de moradores de Poções e região que foram afetados pelas enchentes de 2021 e 2022, e denuncia como, mesmo após os desastres e transtornos ocorridos nesse período, o poder público seguiu sem a estruturação de políticas públicas para prevenir essa situação se repetisse. O trabalho ficou restrito a ações imediatas, como a reconstrução das barragens rompidas e áreas atingidas.
Contudo, quando se trata de eventos climáticos, é preciso visão de longo prazo, planejamento e manutenção constante. “Os eventos que acontecem dentro do clima de qualquer lugar, são eventos que, para o nosso ponto de vista humano, é muito lento, só que é um lento que ele vem com certeza absoluta, com certeza matemática, e que causa prejuízo. Por isso que ele [político/gestão] vai ter que ter uma visão de futuro, bem ampla”, argumenta Rosalve. Nesse sentido, um planejamento que realmente vise a sustentabilidade e desenvolvimento ambiental, deve pensar o contexto do município ao longo dos anos, e não se basear apenas em ações imediatistas a serem desenvolvidas isoladamente em cada mandato.
Para o biólogo Mateus Gonçalves, o cuidado com a questão ambiental deveria ser uma preocupação fundamental de todo governo. “A pauta ambiental assegura coisas que são vitais para a qualidade de vida da população, como por exemplo uma água de qualidade, um ar de qualidade, um lugar seguro para morar, comida na mesa, sem esses fatores não há qualidade de vida”. Ignorar os efeitos que o clima tem sobre isso, é deixar de lado uma gama de fatores necessários para a qualidade de vida.
Ainda assim, a temática continua longe de ser prioridade entre os candidatos a prefeito do município que, entre as propostas presentes nos planos de governo de cada um, pouco ou nada se detém em discutir ações bem estruturadas que fazem relação direta ao enfrentamento à crise climática e aos seus desdobramentos.
Como as propostas sobre clima aparecem nos planos de governo?
As temáticas dos planos de governo dos candidatos a prefeitura de Poções variam entre si, mas de modo geral, a maioria das propostas são destinadas a saúde, educação, cultura, assistência social e desenvolvimento sustentável. Segundo dados gerados pela ferramenta Vota Aí, o tema desenvolvimento sustentável está entre os mais mencionados nas propostas de governo dos três candidatos.
Aparece em primeiro lugar no plano dos candidatos Luciano de Tonhe Gordo (PSD) e Dr. Yuri (PSD), com 26%, e também no plano da atual prefeita e vice-prefeito, Nilda Magalhães (PCdoB) e João Bonfim (PT), com 21,05%. No plano dos candidatos Diogo Chulú (Novo) e Ivano Cunha (PL), a quantidade de propostas ou menções ao tema representa 25% do plano de governo, mesma porcentagem destinada à educação. No entanto, é importante lembrar que a coligação “Juntos por uma nova Poções” admitiu, em entrevista ao Coreto, que plagiou boa parte do seu plano de governo.
Embora o desenvolvimento sustentável tenha grande destaque nos planos, questões como mudanças climáticas e outros desafios relacionados ao clima são praticamente ignoradas, aparecendo em menos de 1% das propostas dos candidatos.
Ao observar os gráficos entende-se, ou espera-se que, comparado às demais áreas do programa de governo, os temas relacionados a meio ambiente, sustentabilidade e preservação, tenham destaque na gestão dos candidatos. Mas a maioria das propostas dos candidatos se restringem a ações ligadas à Defesa Civil, coleta seletiva, arborização e ao desenvolvimento da agricultura no município. Inclusive, a palavra sustentabilidade é, por vezes, exaustivamente utilizada na ânsia de afirmar que existe atenção ao tema.
Os aspectos referentes ao clima são praticamente inexistentes, sem detalhamento, sem visão a longo prazo e com propostas que, em diversos momentos, acabam caindo no generalismo. Ou seja, ainda que os planos apresentem propostas que pretendem contribuir para a preservação e cuidado com o meio ambiente, não há planos efetivos que assegurem metas e programas de ação direcionados prioritariamente às questões climáticas.
As queimadas são um exemplo de tema que nem chega a ser mencionado em nenhum dos planos de governo dos candidatos. Não existe nenhuma medida para monitorar, controlar ou prevenir esse problema, que afeta o município de maneira direta e indireta. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas no país têm aumentado consideravelmente. Entre 1 de janeiro a 13 de setembro de 2024, foram registrados 180.137 focos em todo o país, o número representa 50,6% dos incêndios da América do Sul. Em relação ao mesmo período do ano anterior, o aumento das queimadas foi de 108%.
Entre o final de agosto e início de setembro, parte do estado da Bahia estava na rota das fumaças das queimadas que aconteceram na região norte e centro-oeste do país. “Tem 26 anos que pesquiso climatologia e eu nunca vi um problema assim tão grande, geograficamente. Uma massa de ar quente e uma massa de ar seca, sem possibilidade de criação de chuva, de poluição tão grande como agora”, conta Rosalve Marcelino sobre a proporção e o impacto das queimadas no território brasileiro.
Em que implica a falta de propostas que considerem esse tema?
Para o professor, a falta de estratégias e planejamento eficiente para lidar com essas situações demonstra a irresponsabilidade dos candidatos ou mesmo gestores, que – diante do atual cenário de emergência climática –, apenas se preocupam em tratar os efeitos dos problemas, enquanto desconsideram as causas. “Os políticos sabem o que está acontecendo, sabem o porquê está acontecendo e nas propostas deles a gente não vê nada sobre o assunto. (…) Eles estão deixando a população desamparada, deixando o ambiente desamparado, deixando a questão climatológica também desamparada”.
Dessa forma, a população fica mais suscetível à vulnerabilidade ocasionada pelos eventos climáticos. O que gera consequências tanto financeiras – como a perda de bens materiais, imóveis, dentre outros –, quanto consequências físicas – com maior predisposição e/ou agravamento de alergias, doenças respiratórias, cardiovasculares e mentais.
A urgência em discutir e pensar políticas públicas direcionadas às mudanças climáticas parte também da necessidade de cuidar do meio ambiente, antes que a situação seja irreversível. “Nós, que trabalhamos na ciência, ciência metodológica, ciência climatológica, sempre estamos alertando os políticos, os representantes do povo, o que tem que fazer para evitar que os problemas se alastrem. Inclusive, eu estou sempre atualizado em relação às pesquisas climatológicas e, infelizmente, estamos percebendo que está chegando em um ponto que vai ser meio difícil de retornar ao status original, de voltar atrás”, explica Rosalve Marcelino.