A Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), lançada em outubro de 2023 pelo governo federal, destinou R$15 bilhões para o setor cultural em todo o Brasil. Inicialmente, os municípios deveriam executar os recursos até 31 de dezembro de 2024, mas a Confederação Nacional de Municípios (CNM) solicitou a ampliação do prazo, alegando dificuldades na execução dos repasses durante o ano eleitoral. O governo federal, por meio do decreto 12.257/2024, atendeu a solicitação e estendeu o prazo para 30 de junho deste ano.
Em Poções, o recurso da PNAB chegou em março de 2024, mas até o momento, o edital para a seleção de projetos ainda não foi aberto. Essa demora tem gerado inquietação entre agentes culturais na cidade e muitas reclamações. A falta de comunicação do poder público também tem sido motivo de críticas por parte da comunidade artística. “Em momento algum veio algum órgão responsável conversar para pelo menos acalmar a gente. Com essa falta de comunicação fica muito claro esse desrespeito”, afirma Daniela Gomez, idealizadora do projeto Sapiência.
A demora na liberação dos recursos compromete também o planejamento e a manutenção de iniciativas culturais já em andamento, que dependem desses incentivos culturais para continuidade. “Os projetos sociais não se sustentam só. Eu, como artista visual, tenho meus trabalhos à parte que me sustenta, porque se eu dependesse, por exemplo, só de ser agente cultural, movimentar a cultura na cidade, a gente não tem como viver disso”, diz Daniela, que mantém aulas gratuitas de artes visuais para crianças, jovens e adultos.
O Sistema Nacional de Cultura
Com a publicação da Lei n° 14.835/2024, que estabelece o marco regulatório do Sistema Nacional de Cultura (SNC), os municípios brasileiros, incluindo Poções, se comprometeram a integrar-se ao sistema para obter novos recursos de incentivo cultural, como os da Lei Paulo Gustavo e a PNAB. Para que o município tenha acesso efetivo aos recursos, é necessário cumprir uma série de etapas, como a criação de um Conselho de Política Cultural, a implementação de um Fundo de Cultura e a elaboração de um Plano Municipal de Cultura.
Até o momento, o município ainda não regularizou tais exigências. O Conselho de Cultura, cujas eleições aconteceram em 04/09/2022 para o biênio 2022/2024 já foi cessado e as novas eleições não foram convocadas até então.
O SNC busca fortalecer a gestão cultural no país, garantindo uma organização mais eficaz entre os governos federal, estadual e municipal. Mas para que o setor cultural de Poções realmente se desenvolva, é necessário que o município se comprometa com a criação das estruturas exigidas pela lei.
Para a artista Diana Lucard, a falta de um fundo de cultura ativo, e a falta de diálogos abertos com o Conselho de Cultura na tomada de decisões, dificulta a manutenção desses diálogos necessário entre artistas, Conselho e poder público. “Uma gestão cultural que não respeita o órgão Conselho de Cultura, que não respeita um abaixo-assinado, que não se dá ao luxo de simplesmente responder às perguntas feitas pela comunidade artística, seja via ofício, seja por pergunta direta. Qual é o respeito que essa gestão cultural tem pelos cidadãos, pelos artistas? Nenhum”, afirma.
Impasse na execução dos recursos
Segundo os agentes culturais, existe uma tentativa de diálogo com a Coordenadoria de Cultura para a abertura do edital desde julho de 2024. Em maio, a gestão apresentou o Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) com uma proposta de edital que foi definida por meio de reunião na Câmara de vereadores. No entanto, agentes culturais não concordaram com os termos definidos na proposta, alegando falta de consultas prévia à comunidade artística para ouvir demandas e sugestões. “Naquele dia foi proposto que parte desse dinheiro seria executado com a compra de equipamentos e com a manutenção de alguns espaços públicos. E aí a gente falou não, a gente não quer gastar esse dinheiro assim, a gente quer gastar com editais”, conta Diana Lucard.
Além disso, outro motivo que inquietou agentes do setor cultural, de acordo com Diana Lucard, foi que a proposta da Coordenadoria de Cultura destinaria recursos altos a uma quantidade reduzida de projetos, o que não contemplaria a maior parte das iniciativas e grupos culturais da cidade e poderia deixar de fora grupos menores, principalmente aqueles que atuam em áreas afastadas do centro. Esses fatores motivaram o Conselho de Cultura a criar uma contraproposta, com sugestões de alteração do projeto anterior. A nova proposta reuniu 300 assinaturas em um abaixo-assinado para encaminhar a gestão.
Em setembro de 2024, a Coordenadoria de Cultura respondeu, informando que alguns pontos da proposta seriam revistos, enquanto outros permaneceriam inalterados. O órgão também questionou a legitimidade do abaixo-assinado apresentado pelos artistas, alegando que as propostas deveriam ser refeitas em uma assembleia-geral com o Conselho de Cultura. Diante disso, o Conselho organizou a assembleia, na qual foram apresentadas tanto a proposta inicial quanto a nova versão, sendo esta última aprovada por votação dos presentes.
Diana Lucard conta que, um mês após a assembleia, ao cobrar um retorno, a Coordenadoria de Cultura respondeu que a pessoa do jurídico responsável por realizar essas ações estava de férias. Após esse contato, não houve mais atualizações da situação em que se encontra a discussão sobre o lançamento do edital.
O que diz a Coordenação de Cultura?
De acordo com José Renato Schettini, atual coordenador de cultura, o atraso no lançamento do edital se deu por alguns motivos, entre eles a troca de coordenação. “Eu precisava me familiarizar com todo o processo. Eu vim fazendo isso desde o ano passado, entrei em agosto, então já peguei o processo andando”. Além disso, no mesmo período ainda estava ocorrendo a chamada de suplentes para a Lei Paulo Gustavo, o que, segundo ele, acabou retardando outras questões. Segundo o coordenador de cultura do município, a previsão é que o edital da PNAB seja lançado após esse período de Carnaval, ainda no mês de março.
A respeito do PAAR, o coordenador de cultura afirma que foi feita uma escuta pública com os artistas para discutir, votar em conjunto e estabelecê-lo. E que com a contraproposta dos agentes culturais foram feitas algumas mudanças, mas que esses processos levam tempo. Ele explica também que para que essas demandas sejam repassadas com uma maior efetividade seria necessário ter um Conselho de Cultura ativo no município. “É o Conselho de Cultura que nos traz essas demandas. E em momento nenhum a gente teve aqui, pelo menos quando eu assumi, de agosto para cá, uma participação efetiva do Conselho de Cultura”, conta. O coordenador afirma ainda que a distribuição do valor disponibilizado pela PNAB, algumas das demandas dos agentes culturais foram reavaliadas e alteradas.
Em relação aos repasses previstos para 2025, o coordenador informa que ainda não tem previsão de chegada de tais recursos, mas pretende formalizar o “tripé” previsto no marco regulatório do SNC para que Poções possa ter acesso a recursos futuros. Ele conta que pretende lançar o edital para eleições do novo Conselho Municipal de Cultura e também pede que os artistas se façam presentes junto à Coordenação. “A gente pode mudar esse panorama se a classe artística se reaproximar da coordenação. Eu estou aqui aberto, quero agora em 2025 fazer eletivas, organizar, porque eu preciso ouvir a demanda dos artistas que eu coordeno. Mas eu quero pedir que cheguem aqui de coração aberto. […] eu vou precisar dos agentes culturais para que a gente organize o Fundo de Cultura, Conselho Municipal de Cultura e o Programa Municipal de Cultura”, afirma.