Chegada da Bandeira: uma tradição de fé e cultura na cidade de poções 

Por Leila Costa e Nataly Leoni
Publicado em 27/05/2023

Na última sexta-feira, (26/05), aconteceu a tradicional Chegada da Bandeira em Poções. O evento faz parte da programação da Festa do Divino Espirito Santo, padroeiro da cidade, e reúne cavaleiros, amazonas e fiéis de todo município e dos municípios vizinhos. 

À frente da organização da Chegada da Bandeira, Charles Jean Alves conta que participa da festa desde criança. “Eu tinha uns dois a três anos e meu pai já conduzia a bandeira e me levava na cela com ele, então faz parte da minha vida”.  Para Charles Jean Alves, a Chegada da Bandeira é o momento de junção da festa religiosa e cultural. “É onde vemos que as denominações religiosas diferentes se juntam. É como se o Espírito Santo ele abraçasse e unisse todo esse povo da comunidade da Terra do Divino em um evento”. 

No evento da Chegada da Bandeira, os cavaleiros e amazonas se reúnem no bairro Poçõezinho e descem para a praça até chegar à Igreja Matriz, no centro da cidade, local de encontro com os fiéis.

“Eu poderia dizer que acompanhei umas 45 bandeiras, graças a Deus, então eu me sinto privilegiado de fazer parte dessa comunidade, dessa festa e por ter essa missão de organizar a Chegada da Bandeira. Hoje eu tenho a graça e a responsabilidade de conduzir o Estandarte na Chegada da Bandeira”, conta Charles Jean Alves.

A história da festa

A Festa do Divino de Poções é uma tradição centenária de fé e cultura. Sua história começa junto a história da fundação da cidade, não há como contar sua história sem contar também a trajetória de surgimento e desenvolvimento de Poções. O memorialista e ex-oficial de justiça poçoense, condutor da bandeira e responsável pelo evento da chegada das bandeiras por 28 anos, Homero Ferreira Silva, guarda consigo a memória passada por gerações de uma parte significativa da história da festa e da cidade.

Com 92 anos, “Seu Homero”, como é popularmente conhecido, conta que tudo começa com as expedições dos bandeirantes portugueses  em busca do minério de ouro existente no sudoeste baiano. Em meio a sua jornada, o grupo que, de acordo Seu Homero, era comandado pelo Coronel João Gonçalves da Costa e seu filho Raimundo Gonçalves da Costa, encontrou um lugar habitado por uma tribo indigena Mongoió e decidiram se estabelecer ali. De acordo com a história, o Coronel “mandou derrubar uma madeira, fizeram um cruzeiro, e quando estavam hasteando o cruzeiro ele exclamou: ‘Este cruzeiro é o primeiro marco deste lugar’”, conta Seu Homero.   

Anos depois, com o trânsito de ouro, a região foi se desenvolvendo e ganhando mais habitantes, chegando ao status de lugarejo. Segundo Seu Homero, nesse momento da história a população decidiu construir uma igreja chamada de “Lapinha”. A igreja da Lapinha está localizada no fundo do Colégio Alexandre Porfirio. “Quando deram início aos trabalhos da igreja da Lapinha, foram surpreendidos por um barulho. Assustados, olharam em direção a Zona Sul, quando perceberam a chegada de uma nuvem de pombos, à procura de lugar para reprodução e pousaram à margem do rio São José”, conta ele. Com a igreja construída, a população deu nome ao lugarejo que, a partir daquele momento  passou a se chamar Poção, nome inspirado na grande quantidade de poços que haviam próximos ao rio São José. 

Mas a igreja da Lapinha ainda precisava de um padroeiro. De acordo com Seu Homero, foi lembrado o episódio em que a nuvem de pombos pousou às margens do rio São José, e, segundo o memorialista, como se assemelhava a “santa profecia” em que o Espírito Santo descia a terra em forma de pomba e assim, o padroeiro da Lapinha ficou sendo o Divino Espírito Santo. “Daí por diante, todos os anos no dia de Pentecostes, a comunidade passou a festejar o Divino Espírito Santo”, conta Seu Homero.

Com o tempo, a Lapinha já não comportava a quantidade de gente que a visitava regularmente. Segundo Seu Homero, o então representante do governo, José Joaquim dos Santos mandou que construíssem uma nova igreja, em um lajedo mais ao centro do povoado. O lajedo onde hoje é a Praça do Divino foi o local escolhido e assim, começou a ser construída a Igrejinha do Divino. No entanto, dez anos depois, a obra ainda não havia sido concluída. Após todo esse tempo o governo também já havia mudado e o novo representante era o Capitão Mor João Dias de Miranda que pediu a população que se unissem para finalizar a obra e “em menos de 15 dias cobriram e puseram portas na Igrejinha”, relata Seu Homero.

Igrejinha do Divino

Segundo relatos, com a Igrejinha pronta o capitão mandou que chamasse a maior parte da  população que vivia na zona rural, para que pudessem comemorar a inauguração da igreja com uma festa de três dias. De acordo com Seu Homero, o Capitão João Dias de Miranda ensinou os moradores do povoado a organizarem essa festa. “Faça aqui na frente da igreja dez barracas grandes. Agora vocês vão à cidade de Vitória da Conquista e comprem muitos gêneros alimentícios e cachaça, porque não pode ter festa sem cachaça”, conta ele.    

As barracas de comidas e bebidas já estavam arrumadas apenas esperando a visita dos moradores para dar início aos festejos. O padre que aparecia no povoado uma vez por mês também havia sido chamado para celebrar a primeira missa da Igrejinha. “Quando o padre chegou, foram para a Lapinha buscar a imagem do divino e o mastro”, conta Seu Homero, acrescentando que com a população reunida em procissão levaram a imagem do Divino e o mastro para posicioná-lo em frente a Igrejinha do Divino, “nascendo nesse dia a Festa do Divino.”

No ano de 1857, o governo dividiu uma faixa de terra e criou o Distrito de Poções, além de passar a organizar, regularizar a região e cobrar impostos. “No começo de 1878, o Imperador Dom Pedro II, publicou um Decreto criando a freguesia do Divino Espírito Santo, no Distrito de Poções”, lembra Seu Homero. Com a freguesia instaurada, o distrito teria um padre definitivo, porém, a igreja precisava ser reconstruída. Na época, o homem mais rico do povoado era o Coronel Raimundo Pereira de Magalhães, que deu uma grande contribuição para a reforma da igreja e organizou a saída de mensageiros para atravessar o distrito em busca de doações. Parte do dinheiro arrecadado, em moedas de prata, foi utilizado para confeccionar a imagem da pomba do divino que permanece na igreja ainda hoje.

Segundo Seu Homero, no dia 16 de setembro de 1878, o Padre Juiz França dos Santos chegou ao distrito para instaurar a freguesia e registrar uma ata com todas as atividades da igreja como também da tradição da festa de largo. “Acrescentou na Ata a criação de duas Bandeiras que cinco meses antes da festa, elas saíssem no giro da freguesia pedindo as contribuições para manter as despesas com a festa. Dez dias antes do novenário os mensageiros deixavam as bandeiras na Fazenda de Santos Ferreira, atualmente Poçõezinho. No oitavo dia de novenário os cavaleiros iam em cortejo buscar as bandeiras como se faz até a presente data”, conta.  

A festa cresceu

Ao longo dos anos a festa cresceu e ganhou novos elementos que viraram tradição. A médica Drª. Henriqueta Brandão, participa da organização da festa já há alguns anos. Ela conta que chegou na cidade de Poções há uns 40 anos, mas só começou a fazer parte da organização da festa quando o Padre Valmir Neves assumiu a igreja.

“Essa festa, ela foi crescendo cada vez mais quando o Padre Valmir chegou aqui. Ele tinha uma banda chamada Iluminados e depois veio também a banda Alfa Centauro que tocava muito na chegada da Bandeira e isso fez com que crescesse muito a Festa do Divino e ficasse cada dia mais bonita “, conta.

Foi nesse período que a tradição de homenagens durante as noites da novena foi criada. Com essa tradição, todas as noites, órgãos da cidade são homenageados. “Colocamos também para cada noite da novena a homenagem, o dia do motorista, por exemplo. A primeira vez, muitos motoristas vieram e participaram. Também já fizemos a noite dos feirantes, a noite da saúde, noite da educação, dos bancários, noite do judiciário e isso foi bom que cresceu ainda mais a festa e ficou mais organizada”, explica Drª Henriqueta Brandão. 

O Festival de Torta, que acontece antes do início da festa, também foi criado nesse período com o objetivo da arrecadação de dinheiro para reparos na igreja e contribuir para a festa. “Na época, com esse dinheiro do Festival de Torta, arrumamos a igreja e conseguimos botar a barrinha toda de cerâmica com madeira”, conta a médica.

Os festejos nos anos da Covid-19

Assim como outros festejos pelo o mundo, a Festa do Divino não aconteceu em seu formato tradicional nos anos de 2020 e 2021. Durante os anos em que o mundo foi tomado pela pandemia do coronavírus e, como consequência, o isolamento social foi implementado, a Festa do Divino foi realizada em um novo formato.

A Festa Profana não aconteceu, mas a Festa Religiosa foi adaptada ao formato digital. As celebrações foram realizadas na igreja, com um número pequeno de fiéis, e foi transmitida por meio das redes sociais.  Durante os dias que seriam a festa, a cidade foi marcada não apenas pela ausência dos encontros e reencontros que acontecem nas ruas de Poções, mas também pela presença do “Cavaleiro Solitário” que desfilou pelas ruas da cidade. O Cavaleiro Charles Jean Alves, atual coordenador da Chegada da Bandeira, foi o responsável por manter a tradição e representar outros poçoenses que não podiam sair pelas ruas.

“Nós passamos por essa situação sombria da pandemia que veio sobre a face da terra e o Cavaleiro Solitário ele trouxe essa mensagem, uma mensagem triste que mexeu com o emocional das pessoas, parecia que estávamos sonhando. Quando conduzi o estandarte sozinho foi estranho, foi diferente, mas eu sentia ali no estandarte o peso de milhares e milhares de cavaleiros que eu estava conduzindo comigo. Foi uma situação de muita tristeza, mas também de responsabilidade, esperança e de fé que dias melhores viriam e vieram. É como diz o hino do Divino ‘a bandeira segue em frente atrás dos melhores dias’”, conta Charles Alves.

Para a Drª. Henriqueta Brandão, os anos da covid-19 foram tristes sem a festa. “Tivemos a festa na igrejinha, mas foi limitado às pessoas. Fui muito triste porque faltou a festa da Igreja da Matriz, a pandemia atrapalhou muito todos os festejos”.

Uma tradição de fé

Todos os anos fiéis da “Terra do Divino” aguardam ansiosamente pela chegada do mês de maio e a Festa do Divino Espírito Santo. “A festa do divino sempre foi uma tradição aqui na nossa cidade”, conta Mufula um dos organizadores da festa.

Para Charles Jean Alves, a Festa do Divino é “um momento em que a comunidade Paroquial do Divino Espírito Santo se reúne para celebrar Pentecoste, a vinda do Espírito Santo sobre a igreja”.

O mineiro Sílvio Rezende, que mora em Poções há 12 anos, também crer que a Festa do Divino é “uma comemoração da vinda do Espírito Santo sobre toda a igreja e nós como católicos comemoramos com maior prazer e satisfação”.

Este ano, antes de começar a Festa do Divino, outros eventos marcaram a tradição, como o Giro da Bandeira e o Giro do Estandarte.

Charles Jean Alves, Mufula e Silvio Resende, respectivamente

No Giro da Bandeira, a bandeira do Divino é levada por um bandeirista em visita a várias comunidades da zona rural do município e finaliza um domingo antes do início da Festa do Divino. 

Já o Giro do Estandarte começou no primeiro domingo de maio. “Levamos o Estandarte a cada comunidade onde ele fica por  24h  e esse evento, graças a Deus ele vem tomando força, hoje mesmo nós tivemos quase 100 pessoas caminhando junto com estandarte, aí  vemos e a devoção do Povo”, conta Charles Jean Alves.

Às 4h a queima de fogos anuncia a Alvorada e marca oficialmente o início do novenário do Divino Espírito Santo da tradicional festa religiosa e também da festa e largo que movimenta a cidade de Poções todos os anos.

Confira mais fotos da Chegada da Bandeira:

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