Golpes virtuais x segurança nas redes: os riscos de compartilhar informações privadas 

Por Daniela Palmeira
Publicado em 09/06/2023

Era mais um dia comum na vida de Eduarda Sousa*, ela seguia sua rotina entre casa e trabalho, focada em seus afazeres diários, como já era de costume. No entanto, fugindo da normalidade daquele dia, recebeu uma visita inesperada de sua cunhada, Noêmia Rocha*, que parecia um tanto desconfiada e logo foi perguntando se Eduarda Sousa tinha mandado mensagens e feito ligações para ela. Eduarda Sousa estranhou a pergunta e disse à cunhada que não, afinal, estava envolvida em outras atividades e mal pegara no celular durante aquele dia. Foi então que Noêmia Rocha teve as dúvidas confirmadas e aflita contou à Eduarda que o número dela, provavelmente, havia sido clonado.

Noêmia Rocha contou que as mensagens que ela recebeu, diziam para mandar uma quantia em dinheiro imediatamente, porque era uma urgência. Essa atitude repentina por parte de Eduarda parecia algo difícil de acontecer, mas a desconfiança de Noêmia se tornou ainda mais forte, e quase uma certeza de que algo não estava certo, quando as falas da cunhada no celular passaram a ter um tom agressivo. Por isso, decidiu procurar pessoalmente Eduarda, a fim de entender o que realmente estava acontecendo. Eduarda conta que ficou paralisada, sem saber o que fazer, não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. 

Recentemente, ela havia passado por uma situação semelhante, uma tentativa de golpe com o seu cartão de crédito, que foi interceptada pelo banco quando percebeu a movimentação estranha na conta e logo bloqueou as ações e o cartão, mesmo assim, foi um momento de estresse e preocupação para Eduarda. Desta vez parecia ser bem pior, quando tentava conectar o aplicativo do WhatsApp nada aparecia, não tinha mais acesso a sua conta e não sabia o que fazer. “Mil e uma coisas que imaginei também, de estar entrando em contato com meus familiares, de terem caído [no golpe]”, explica.

Eduarda Sousa sabia que precisava fazer alguma coisa, pois temia pelos seus contatos do WhatsApp. Assim, foi avisando para o máximo de pessoas que conseguiu, desde familiares a amigos e conhecidos, para bloquearem o seu antigo número e, caso recebessem alguma mensagem, não respondessem. 

Além disso, com ajuda de um amigo da família, Eduarda recebeu a orientação de fazer um Boletim de Ocorrência. Esse mesmo amigo procurou também acalmá-la, explicando sobre como acontecia esse tipo de golpe e o quão recorrente estão hoje em dia. Tão recorrente, que pouco após o acontecido, Eduarda conheceu casos de pessoas próximas a ela que haviam passado por situações semelhantes. A maneira como tudo aquilo pareceu frequente a assustou.

Golpes e fraudes virtuais: um risco crescente

“Nós temos que partir do pressuposto de que tudo que acontece na internet deixa rastro, tudo”, afirma a advogada especialista em proteção de dados e redes sociais, Tiana Ferraz. Por vezes, esses rastros são uma porta para a vulnerabilidade e a exposição de dados pessoais, sejam por redes sociais, aplicativos ou sites. A simples ação de compartilhar informações privadas, como número de telefone e e-mail, sem refletir muito sobre para onde estão indo, é um alvo fácil para golpes e fraudes virtuais. 

Segundo levantamento realizado pela empresa Allow Me em parceria com a OLX, o prejuízo estimado com os golpes virtuais aplicados em 2022, no Brasil, foi de cerca de R$ 551 milhões, somando dados do mercado digital brasileiro, incluindo sites, apps e contas digitais. Entre as principais fraudes mencionadas pela pesquisa estão: o golpe da compra confirmada com 57% dos casos, o golpe do anúncio falso com 37% e o roubo de dados com 6%. Ainda que esteja em menor porcentagem, segundo a pesquisa, em 2022 ocorreu uma tentativa de roubo de contas por minuto.

O medo de ter os dados roubados é um dos maiores receios entre usuários de todas as partes do mundo, conforme apontou o relatório global de tendências de fraude digital de 2022, da empresa TransUnion. O levantamento mostra que durante o período de 2019 a 2021 os casos suspeitos aumentaram e essas ameaças correspondem aos medos do consumidor em relação a roubo de identidade, golpes de phishing [saiba o que é], invasão de conta e roubo de cartão de crédito. Dos entrevistados para a pesquisa, 62% dos consumidores relataram preocupação em serem vítimas de roubo de identidade.

Era com essa constante sensação de medo que Eduarda Sousa vivia depois de ter perdido o acesso a sua conta de WhatsApp. Os efeitos do golpe se estenderam durante os dias seguintes, pois quem estava com a posse do seu número, seguiu enviando mensagens, não mais pedindo dinheiro, como foi com sua cunhada, mas fazendo graves ameaças. Alguns de seus contatos receberam mensagens contendo nome completo de familiares e conhecidos e alegando saber o local em que moravam. “Eu fiquei preocupadíssima. Eu fiquei pensando, tomava café pensando, almoçava pensando”, conta.

O professor Isaac Dias também passou por uma tentativa de golpe semelhante, envolvendo ameaças em sua conta do WhatsApp. Era tarde da noite, ele já se preparava para finalizar as atividades do dia, quando começou a receber mensagens de um número conhecido, fazendo ameaças, pedindo dinheiro e dizendo saber seu nome completo e o nome da sua mãe. “Fiquei preocupado, mas não respondi, então o número me ligou umas três vezes, mas também não atendi”. Isaac Dias já tinha percebido que era um golpe, além disso, foi informado pelo dono do contato que o número havia sido clonado.

Para Isaac Dias, essa tentativa foi como um alerta, uma forma de ficar mais atento às possibilidades de cair nesse tipo de golpe. Ele conta que normalmente, evita expor seus dados pessoais na internet ou abrir links estranhos, mas entende que podem ter pessoas que acabam caindo nesse tipo de golpe por falta de informação. “A gente acaba relatando o ocorrido para familiares e amigos e os alertando também, a fim de evitar que eles caiam”.

Estar atento e receoso ao que é compartilhado por meio de links desconhecidos e em mensagens estranhas nas redes sociais, é mais do que necessário. O Brasil está em primeiro lugar no ranking de países onde mais ocorrem ataques de phishing, conforme apontou o levantamento realizado em 2020, pela companhia de segurança digital Kaspersky. O cientista da computação Marlovich Dantas, explica que o phishing é um tipo de golpe que acontece quando alguém cria uma página falsa, com um link falso, e por meio dele solicita que uma pessoa insira os dados. Esse endereço pode ser similar a sites que já existem e por isso pode parecer confiável. 

Mesmo conhecendo bem os riscos da internet, na maioria das vezes, os ataques surgem de onde menos se espera, como aconteceu com Juliana Melo*. Ela estava navegando em sua conta do Instagram e se deparou com a postagem de uma amiga, que informava estar começando um novo negócio e como ação desse empreendimento, iria realizar um sorteio. Juliana Melo, então, clicou no link disponível na conta e inseriu seus dados na página. “Poucos minutos depois, apareceu a notificação de que meu dispositivo estava sendo invadido por outro dispositivo e estava tentando mudar todas as minhas informações”, relata.

Assim que recebeu essa notificação, ela se deu conta do que acabara de acontecer, alguém estava tentando hackear suas contas e o único sentimento possível foi medo do que poderia acontecer. Ainda assim, Juliana Melo tentou agir nas horas seguintes, ser mais rápida, mudar suas senhas e desconectar todos os dispositivos, mas infelizmente não conseguiu. Um dos dispositivos do invasor continuou na sua conta e conseguiu violar sua privacidade, expondo o que ela menos esperava, fotos e vídeos íntimos que estavam em seu celular. “Eu jamais imaginava que isso iria acontecer comigo.”

Ela conseguiu recuperar suas contas, mas não pôde evitar que seu conteúdo privado fosse divulgado em diferentes lugares da internet. Seu maior desejo era que tudo aquilo fosse um pesadelo, uma ilusão, da qual ela pudesse acordar e ver que nada tinha acontecido. Mas agora, cabia a ela juntar forças e lutar para tirar tudo aquilo do ar. Com a ajuda de um amigo próximo, Juliana Melo encontrou alternativas para remover alguns conteúdos do ar, e registrou tudo em um Boletim de Ocorrência. Além disso, seu amigo a auxiliou em como reforçar sua segurança nas redes sociais. 

Marlovich Dantas explica que é possível dizer que há um interesse comum entre as pessoas que aplicam esses tipos de golpes, geralmente um ganho financeiro, prejudicar alguém ou causar danos, de modo a conseguir alguma vantagem sob ela. Já quanto a motivação, podem ter causas variadas, como provocar vingança, um modo fácil de conseguir dinheiro, atingir social ou psicologicamente a vítima, dentre outros.

Viver com tudo isso foi um momento doloroso e traumático. Em diversos momentos Juliana Melo se sentiu julgada e envergonhada diante de muitas pessoas, como se ela tivesse feito algo de errado. “Eu fiquei desesperada, me sentia muito envergonhada, fiquei obsessiva, porque eu ficava o dia todo na frente do computador checando meu e-mail”. Depois de alguns meses do ocorrido, de perceber o sofrimento que tudo aquilo lhe causou, Juliana Melo sentiu que não poderia simplesmente esquecer tudo que aconteceu e deixar outras pessoas passarem pelo mesmo. Por isso, decidiu, junto com outras vítimas, ir atrás dos seus direitos. 

Fui vítima de golpe virtual e agora?

“A primeira coisa que a gente sugere é: faça um Boletim de Ocorrência. Você percebeu que está sendo vítima de um golpe, ou caiu de fato num golpe, faça um Boletim de Ocorrência porque é a forma que você tem de se precaver”, explica a advogada Tiana Ferraz. O Boletim de Ocorrência é fundamental para denunciar o crime e será uma prova daquilo que aconteceu. Ainda há dificuldades para encontrar delegacias que estão preparadas para receber esse tipo de denúncia. Na Bahia, existe apenas uma delegacia especializada em crimes virtuais e está localizada em Salvador. Contudo, a denúncia pode ser realizada de forma online por meio da delegacia virtual. 

 A respeito da recuperação de contas em redes sociais, a advogada orienta que a tentativa de resgate das contas deve ser feita por meio das próprias plataformas. O cientista da computação, Marlovich Dantas, também orienta que a vítima utilize os canais de denúncias que estão disponíveis nas plataformas. Quanto ao número de telefone, a vítima pode entrar em contato com a operadora da linha e solicitar o bloqueio. A partir disso, caso a vítima não seja correspondida ou tenha passado por um golpe que a fez sentir-se prejudicada, é possível iniciar uma ação judicial a fim de tentar minimizar o dano. 

Além das medidas judiciais específicas para cada tipo de caso, Tiana Ferraz destaca duas leis que são importantes para a legislação brasileira em relação à  discussão sobre segurança e uso da internet no Brasil. A primeira é o Marco Civil da Internet, que tem como principal objetivo estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. A segunda lei destacada pela advogada é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que tem a finalidade de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade a respeito dos dados pessoais, dispostos em meio físico ou digital. 

Como se proteger de golpes virtuais?

Depois de terem passado por tantas preocupações, a relação de Eduarda Sousa e Juliana Melo com as redes sociais mudaram. Elas perceberam que é preciso ter mais cautela em cada ação e dedicar um cuidado especial à segurança de suas contas. Eduarda mudou de chip, formatou o celular e diz estar mais desconfiada, por isso, evita clicar em links que não conhece e não deixa mais seu cartão de crédito salvo em sites. Também procura não instalar em seu celular, aplicativos estranhos. “Ultimamente eu estou desconfiando de tudo”, revela Eduarda Sousa.

Enquanto Juliana Melo reforçou a segurança de suas contas, utilizando verificação de duas etapas e aplicativos autenticadores. Ela também decidiu que, durante algum tempo, seria melhor se afastar das redes sociais, pois o medo de que tudo voltasse a se repetir era maior do que a vontade de seguir com sua conta. “Hoje em dia eu tenho um cuidado triplicado com todos os links que eu clico, com todos os aplicativos que eu baixo”. 

Para Tiana Ferraz, desconfiança é uma palavra chave para conseguir se proteger desses golpes. “A pessoa precisa ser desconfiada”, diz. É necessário observar os tipos de mensagens que são recebidas, caso elas sejam de algum número que não está na sua lista de contatos, o melhor a fazer é bloquear. Caso seja um conhecido pedindo dinheiro, ou conversando de modo diferente do habitual, o ideal é buscar alternativas como tentar fazer uma ligação e entrar em contato com a pessoa de outra forma. 

Outro ponto que a advogada reforça é que a população “tenha amor ao próprio dinheiro suado”. Antes de confiar o dinheiro a alguém que mande mensagem, a jogos de apostas e propostas de investimentos, é importante procurar o máximo possível de informações sobre o assunto. “Conferir se aquela informação de fato é verdadeira ou não”.

Por fim, a advogada recomenda atenção especial para a segurança nas redes sociais, principalmente, manter ativo a verificação de duas etapas em todas as contas. Essa ferramenta possibilita uma dupla proteção para a conta, garantindo que para alterar qualquer ponto, seja preciso outras ações, como mensagem por WhatsApp ou SMS, no caso do Instagram, por exemplo. No entanto, é possível intensificar ainda mais a proteção utilizando aplicativos externos próprios para gerenciar essas atividades, os autenticadores.

*Os nomes de Juliana Melo, Noêmia Rocha e Eduarda Sousa são fictícios para proteger as fontes que não quiseram ser identificadas devido aos transtornos que elas passaram e as consequências dos respectivos golpes que sofreram.

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