Feiras Literárias: História, valorização e democratização da leitura

Por Nataly Leoni
Publicado em 17/08/2023

“Quando me angustio, vou para o refúgio. Nenhuma necessidade de viajar; ir juntar-me às esferas de minha memória literária é suficiente. Pois existe distração mais nobre, existe mais distraída companhia, existe mais delicioso transe do que a literatura?” Disse Renée, personagem do livro “A Elegância do Ouriço” da escritora Muriel Barbery. A personagem é uma leitora voraz que vê na literatura um significado profundo. A leitura faz parte da maneira como a personagem vê o mundo, adquire conhecimento, se comunica e vivencia novas experiências.  

Assim como Renée, muitas pessoas encontram na literatura um caminho para explorar universos alternativos, e mergulhar em narrativas que ensinam, desafiam, inspiram e provocam reflexões. A literatura é multifacetada. Por meio dela podem ser criadas expressões artísticas, que promovem o desenvolvimento cognitivo, emocional e senso crítico. Além de possibilitar a construção da identidade cultural e preservação histórica de um povo. 

Reconhecendo a importância de valorizar a literatura e a leitura no Brasil, a partir do ano de 1995, começaram a surgir feiras literárias, eventos que logo ganharam popularidade em diversos estados brasileiros. Na Bahia, a Feira Literária de Mucugê – Fligê, vem ganhando cada vez mais espaço desde sua criação em 2016.  

A Fligê 

A Feira Literária de Mucugê tem como objetivo alcançar leitores de todas as idades, valorizar o hábito da leitura e democratizar o acesso da população à cultura literária. Além disso, promove um diálogo da arte literária com outras expressões artísticas como música e teatro. 

Em 2016, ano de criação da Fligê, o tema central foi “Levaram o ouro e nos deixaram tudo… Deixaram-nos as palavras”, frase retirada da crônica “A Palavra” (1978), escrita pelo autor chileno Pablo Neruda. O autor homenageado da feira foi o baiano Afrânio Peixoto, natural da cidade de Lençóis e com uma obra voltada para histórias da região da Chapada Diamantina. 

Poeta Capinan, na Fligê 2016. Fonte: Site Oficial

Na 2ª edição da feira, em 2017, o tema foi “Somos paisagens dos sertões em rotas de composições”. O autor homenageado foi Euclides da Cunha, escritor lembrado por obras como “Os Sertões” (1902) e “Canudos – Diário de uma expedição” (1897). A homenagem ao escritor foi parte da comemoração pelos 120 anos do fim da Guerra de Canudos. Já em 2018, a Fligê prestou uma homenagem à escritora mineira Conceição Evaristo com o tema “Literatura e Resistência – A vida nos rastros da palavra”. A  romancista, contista e poeta é conhecida por obras como “Olhos d’água” (2014) e trata principalmente de questões raciais. 

A 4ª edição da Fligê, em 2019, trouxe o tema “ Sê livre… és gigante”, verso do poema “América” escrito pelo poeta baiano Castro Alves. O autor tem como suas principais obra o “O Navio Negreiro” (1880) e o livro “os escravos” (1883), assim, a feira literária voltou-se para as “diásporas, distopias e tragédias” presentes nas histórias que se davam em meio ao transito atlântico nos navios negreiros. Após a 4ª edição, a realização da feira foi interrompida por conta da pandemia de covid-19, e apenas voltou a ser realizada em 2022.

A 5ª edição da Fligê apresentou o tema  “Literatura e Ancestralidades”, e homenageou a memória e riqueza das histórias presentes nas literaturas negras e indígenas. Além de fazer alusão a tradição da oralidade na preservação dessa memória e cultura presentes na Chapada Diamantina. 

A 6ª edição da Fligê   

A Feira Literária de Mucugê 2023 começou na última quarta-feira (16/08) e vai até domingo (20/08). Na edição deste ano, o tema “Literatura e Música” traz a proposta de aproximar as duas expressões artísticas que, da mesma forma, são frutos da habilidade de criação do ser humano.

“Músicas inspiradas em livros, poemas que são canções, personagens que convocam a sua música, cenas que são lidas no ritmo incessante dos sons das palavras, pausas e silêncios que se impõem ao leitor para a produção de sentidos do texto. Como produções artísticas autônomas, Literatura e Música são esferas da criação humana que, quando tomadas em dimensão e conjunto, corroboram para interpretar acontecimentos culturais e conferir densidade à forma, estilo, volume, ritmo e perspectiva aos processos autorais”, explica a curadora da Fligê, Ester Figueiredo.

O homenageado da edição também une a literatura e a música em sua obra e já passou pelo palco da Fligê na edição de 2016. José Carlos Capinan é um poeta e músico baiano imortal da Academia de Letras da Bahia. Além disso, Capinan teve uma grande contribuição no movimento Tropicália, onde teve como principais parceiros de composição artistas como  Gilberto Gil, Caetano Veloso e Edu Lobo. ao longo das décadas, Capinan fez parcerias também com Paulinho da Viola, João Bosco, Francis Hime, Gereba, Torquato Neto, Zé Ramalho, Moraes Moreira entre outros. 

 José Carlos Capinan também é autor de nove livros entre eles “Confissões de Narciso”, “Terra à vista”, “Inquisitorial” e “Vinte canções de amor e um poema quase desesperado”, nos quais revelam histórias dos bastidores da composição e produção de diversos sucessos da MPB assinados por ele. 

A programação da Fligê 2023 também conta com uma variedade de mesas literárias, oficinas, espetáculos, expografias, sessões de autógrafos, projetos pedagógicos, mostra de cinema e programação infantil. Para a programação de conversas literárias, são convidadas personalidades como Arnaldo Antunes, Itamar Vieira Júnior, Bianca Ramoneda e Maria João Amado. Durante os dias de realização do evento, as apresentações no palco principal serão abertas a toda a população e visitantes, e contam com a presença de artistas como Letrux, Chico César, Pedro Luís e Lazzo Matumbi.  

A historiadora e estudante de Letras poçoense, Beatriz Gonçalves, irá participar pela primeira vez de uma feira literária na Fligê. Ela conta com entusiasmo sobre o que espera da experiência. “Minha primeira vez na Fligê e estou muito animada com esse momento. Primeiro, porque sou de uma cidade muito pequena em que o livro, além de tantas outras coisas, é um objeto estranho e difícil, e conversar sobre livros e literatura é ainda mais difícil”. A feira literária também é lugar para troca. “É uma oportunidade para as leitoras e leitores trocarem experiências, conhecerem escritores e respirarem o ambiente literário. Sem contar nas atrações musicais, apreciar artistas que misturam poesia e música. A minha maior empolgação  é para conhecer o escritor Itamar Vieira Júnior” Diz Beatriz Gonçalves.

Uma feira literária em Poções?

Poções ainda não conta com políticas específicas de ampla valorização e democratização da literatura para a população como ocorre em cidades como Mucugê, Salvador, Jequié e outras cidades da Bahia. De acordo com Gildásio Júnior, integrante da coordenadoria de cultura de Poções, a cidade recebeu a emenda do deputado Waldenor Pereira, sendo contemplada com recursos para a realização de uma feira literária, para ser feita ainda este ano.

No entanto, até o momento, não há uma movimentação para a realização do evento. O Coordenador de Cultura disse que devido ao acúmulo de atividades que o setor está desenvolvendo para os próximos meses como a Lei Paulo Gustavo, o sistema de cultura e conferência, ainda não foi possível que a equipe produzisse a feira literária. “Esperamos que ela aconteça em breve”, afirmou Gildásio Júnior.

Fotos: Reprodução

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