A dicotomia da política poçõense 

Por Fernanda Protasio
Publicado em 12/09/2024

O costume nos cega ou venda nossos olhos para a observação da realidade que passa à nossa volta. Estamos tão acostumados com a aristocracia e seus lugares de poder marcados por nomes e por homens, geralmente brancos, com camisa social ou gola polo e seus sapatos brilhosos ou a mais nova moda aburguesada, o sapatênis, que não nos convém reparar que ainda estamos imersos no vicioso sistema político colonialista, reforçado no Império e  escancarado nas primeiras décadas republicanas que é, a dicotomia mandatária que governa os interiores do Brasil. 

Na história política do Brasil, esta mentalidade dicotômica se configura, sobretudo, por conta do tipo de colonização que se instalou nas nossas terras, marcada pela distribuição de um território com extensão continental nas mãos de poucos capitães donatários que desfrutavam de amplos poderes sobre os escravizados e outros colonos despossuídos de terras para produção, o que desembocou nas relações de submissão e mandonismo na política colonial que foi se arrastando com novas roupagens até à contemporaneidade, principalmente nos municípios pequenos que ainda sofrem muita influência de mandatários econômicos e aristocráticos.  

Esta relação política baseada no mandonismo ficou muito evidente no começo da República, onde os estados brasileiros eram governados por oligarquias num sistema político conhecido como café-com-leite e comandado pelos coronéis que definiam os rumos do mandonismo nacional nas esferas presidenciais e também locais, onde, o café e o leite, bebidas comuns em quase todos os lares nacionais,  respingavam na eleição de um ou outro candidato a presidente, governador e também prefeitos.

Junto ao mandonismo que vigora na política nacional vem o patrimonialismo que trata a coisa pública como coisa privada, este vício na política partidária brasileira tem por base a política pautada na satisfação de interesses pessoais dos donos do poder e das pessoas que os cercam, sejam familiares ou apoiadores dos candidatos.

Segundo a antropóloga e historiadora Lilian Schwartz, na sua obra intitulada Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), “desde o período colonial, passando pelo Império e chegando à República, temos praticado uma cidadania incompleta e falha, marcada por políticas de mandonismo, muito patrimonialismo, várias formas de racismo, sexismo, discriminação e violência.” 

Em Poções, temos o fenômeno do mandonismo e do patrimonialismo intrínsecos na memória política de tal forma que não dá para definir qual estrutura de poder vigora mais ou menos em momentos eleitorais e na forma com a qual os políticos tratam a coisa pública.

Abrimos a nossa república com a prefeitura nas mãos de um Magalhães e entre Cunhas, Curvêlos, Rolins e Boscos, tivemos na Nova República o fenômeno do revezamento de poder entre representantes das duas figuras carimbadas no que diz respeito à ocupação da cadeira principal na prefeitura, os famigerados Mascarenhas e Magalhães. 

No ínterim entre um governo e outro, tivemos uma novidade, no lugar das camisas sociais a moda imperante foi a do scarpin cor de rosa, vivenciamos a primeira eleição de uma mulher para chefiar o executivo, no entanto, como a mentalidade é a última que muda numa sociabilidade, sustentada pelo salto fino estava mais uma representante dos Magalhães.

Ainda segundo Lilia não podemos jogar nas costas do passado a responsabilidade pelos problemas intrínsecos ao tempo presente. Desta forma, fica para nós, sujeitos do nosso tempo, a responsabilidade de repensarmos nossa realidade e agirmos em nome das transformações que nos levará ao progresso político e social.

*Fernanda Protasio é professora de História, especialista em Fundamentos Políticos da Educação, mestra em Memória, Linguagem e Sociedade, com ambas as formações pela Uesb, e escreve crônicas e poesias.

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