Fone nos ouvidos, play na música. O som preenche os pensamentos de Karina Ribeiro e embala seus passos. Agora sim, com o resto do mundo em segundo plano, ela está pronta para correr 5, 10, 15 ou até mesmo 20 km. Ela corre com a precisão de quem executa algum tipo de dança: passos precisos, ritmo calculado, respiração controlada e o pensamento focado em sempre dar o melhor de si, em fazer a sua melhor performance. “Eu acho engraçado porque eu só corro escutando música”, diz. Música e corrida andam lado a lado na vida de Karina Ribeiro, neste ano, em especial, essas paixões convergem para a realização de um objetivo, um sonho, uma aventura que já carrega no peito há algum tempo: participar da tradicional Corrida Internacional de São Silvestre.
Antes de ser estudante dos cursos de enfermagem e música, Karina Ribeiro, de 26 anos, já era atleta. Começou a praticar corrida ainda na adolescência, por volta dos 13 e 14 anos, influenciada pela irmã, Natália Ribeiro, que também praticava o esporte. “O início de tudo foi através da minha irmã”. É com orgulho, carinho e cumplicidade que Karina Ribeiro conta sobre a sua relação com a irmã, e os caminhos que trilharam juntas como corredoras. Os primeiros treinos aconteciam na Avenida Vitória da Conquista, onde juntas, as irmãs descobriam a cada dia suas potencialidades, limites e vontades de ultrapassar marcas, de correr mais um pouco, de melhorarem seus tempos. Aos poucos, o que eram corridas despretensiosas, começaram a tomar corpo de sonho, do desejo de ir mais longe. As irmãs Ribeiro participaram de competições, e criaram suas próprias metas, de sempre saírem e chegarem juntas nas corridas, de compartilhar as dores e alegrias de cada percurso uma ao lado da outra.
Foi ainda no início, quando começou a praticar o esporte, que Karina Ribeiro assistiu a uma edição da Corrida São Silvestre na televisão. Deslumbrada com a dimensão da competição, prometeu para si mesma que um dia seria ela, em algum 31 de dezembro, correndo pelas ruas de São Paulo. Mas a caminhada até esse objetivo foi uma das mais difíceis que Karina Ribeiro já enfrentou nos seus anos como corredora. Após algum tempo de prática, ela se desenvolveu enquanto atleta e ganhou experiência em outras competições, com outros corredores e em seus próprios treinos, o que a ajudou a refletir sobre as distâncias – além da geografia – que a separavam da São Silvestre.
Primeiro, Karina Ribeiro percebeu que essa jornada exigiria dela uma boa dose de coragem e independência. Com o passar dos anos, treinar ou competir junto com sua irmã passou a ser algo menos frequente. Estudos, trabalhos e diversas demandas da vida adulta atribuíram para as irmãs Ribeiro tempos e desafios diferentes. Por isso, ainda que a irmã sempre apoiasse suas decisões e compartilhasse das suas conquistas, Karina Ribeiro sabia que precisaria viver esse sonho sozinha, e em 2022 sentiu que finalmente estava preparada. “Falei, mãe e pai, vou pra São Silvestre. Aí minha mãe já falou bem assim: ‘hum, beleza. Vai com quem?’ Vou sozinha. Eu sou livre”, relembra Karina Ribeiro.
Apesar disso, 2022 foi um ano difícil e cheio de mudanças para Karina Ribeiro. Seus treinos aconteceram com menos frequência e toda a confiança que nutriu no começo do ano, foi diminuindo com o passar dos meses. Contudo, o sonho não deixou de existir, continuava esperando o momento certo para se tornar realidade. No início de 2023 a certeza ressurgiu, renovada e mais forte. “Esse é o ano que eu vou pra São Silvestre.” O primeiro dia do ano veio acompanhado de bons presságios, porque para Karina Ribeiro, “se eu correr no primeiro dia, eu vou correr o ano todo”. E assim foi. Dia primeiro de janeiro, às 19:30h, lua e estrelas no céu, vento no rosto, música nos ouvidos – como de costume –, a Praça da Juventude, ainda iluminada com todos os enfeites de natal, formava o cenário do primeiro treino de Karina Ribeiro para a São Silvestre.
A preparação: o que vem antes da São Silvestre?
A Corrida Internacional de São Silvestre nasceu por meio de uma iniciativa do jornalista brasileiro Cásper Líbero, em 1925. As primeiras edições da corrida eram organizadas de maneira diferente das edições atuais, a começar pelo percurso reduzido de 8,8 km e uma participação menor de corredores. Além disso, a corrida acontecia à noite, próximo a virada do ano, a ideia era que os corredores iniciassem o ano correndo. Conforme ganhou popularidade nacional e internacional entre os esportistas, muita coisa mudou na forma como a corrida acontece. Ainda assim, até hoje conserva algumas características da sua primeira edição, como por exemplo a data: 31 de dezembro.
Este ano, a Corrida Internacional de São Silvestre vai para sua 98ª edição, o trajeto será de 15 km e acontecerá na Avenida Paulista, em São Paulo. Para participar da corrida de forma oficial, como um atleta cadastrado, é preciso realizar uma inscrição no site do evento. As inscrições variam entre R$ 240,00 e R$ 850,00 e são classificadas como Geral e Premium, respectivamente, cada modalidade concede benefícios específicos para os corredores. Segundo informações da Gazeta Esportiva – veículo que atua na realização da São Silvestre – o evento, nas últimas edições, contou com a participação de 35 mil corredores inscritos oficialmente e com uma média de atletas de 50 nacionalidades diferentes.
Karina Ribeiro sabia que a decisão de participar da São Silvestre exigiria dela uma dedicação além do comum, assim como uma organização financeira que possibilitasse arcar com todos os custos: inscrição; deslocamento para São Paulo; despesas médicas; alimentação; academia; equipamentos necessários para treino; e tudo aquilo que envolvesse a preparação de ir para a São Silvestre. Karina Ribeiro é uma atleta totalmente independente, isso significa que não conta com patrocinadores que custeiam parte dos seus gastos, ou mesmo que ofereçam a ela algum tipo de serviço. Ser independente foi uma escolha e ao mesmo tempo uma necessidade para Karina Ribeiro. Sua experiência lhe mostrou o quão difícil é encontrar, em Poções, patrocinadores que realmente estejam interessados em apoiar uma atleta e não só em enxergá-la como um produto/publicidade da empresa.
“Quando eu participava dos grupos de corrida. Eles [patrocinadores] queriam que eu carregasse o nome. Eu tinha que me esforçar mais. E eles nem se importavam com a minha alimentação. Porque o pessoal acha que patrocínio é pagar uma inscrição. Então a pessoa que é esportista, ela tem que ter uma boa nutrição e ela tem que ter um preparo físico muito bom. Porque a corrida é um esporte caro”, explica Karina Ribeiro. Diante dessa realidade, ela escolheu juntar suas forças e lutar pelo aquilo que acreditava, construir o caminho que a levaria até o seu sonho, que possibilitasse a ela viver tudo o que tivesse direito, do seu jeito, como bem entendesse.
A garra para seguir de cabeça erguida, apesar das dificuldades, a atleta herdou da mãe, Eva Pacheco. Karina Ribeiro conta que a mãe sempre a estimulou a procurar trabalhos, alguma estabilidade que permitisse à filha investir na própria carreira. “Minha mãe sempre falou para eu não ficar dependendo dos outros. Hoje eu agradeço a ela, porque se eu estou indo pra corrida São Silvestre foi através do meu próprio patrocínio”, diz Karina Ribeiro.
Karina Ribeiro fez trabalhos extra e rifas beneficentes, procurando conciliar tudo com os treinos e as duas faculdades que cursa atualmente. Às vezes o cansaço era gigante e parecia tomar conta do seu corpo, e tudo que ela menos queria fazer era correr 15 km. “Era mais disciplina do que vontade de correr”, e por isso a atleta enfrentava o cansaço, ainda assim, bastava alguns passos para se sentir revigorada e lembrar do porquê ama tanto correr. As rotinas de treinos precisavam se encaixar nas atividades do dia a dia, algumas vezes às 4h da manhã, em outras às 20h.
Outro desafio com o qual Karina Ribeiro precisou lidar foi a urgência em estar sempre atenta à sua saúde e alimentação. Foram preciso inúmeros exames, consultas com médicos e nutricionistas e também tratamentos especiais para que ela conseguisse se manter saudável durante o processo de treinos até o período de ir para a corrida. “Só eu sei o tanto que eu labutei poder ir, o tanto que eu labutei pra chegar onde eu cheguei. Porque eu tive que deixar a minha vida social pra estar nessa rotina de trabalho, treino e estudo. Porque eu não conseguia encaixar tudo e eu tive que fazer escolhas. Durante todo esse processo de escolha, eu sempre escolhi a mim e eu sempre escolhi o que eu mais desejava.”
A partida: o sonho torna-se realidade
Inscrição feita e passagens compradas, Karina Ribeiro embarcou para São Paulo no dia 19 de dezembro, cheia de expectativas, curiosidade e pronta para viver tudo o que essa experiência tem a lhe oferecer, muito além da corrida. Essa é a primeira vez que viaja completamente sozinha, e é também “a primeira vez que eu vou a São Paulo para conhecer a cidade. Então eu estou indo com o pensamento bem aberto, o coração aberto, para novas culturas, novas sabedorias, novos conhecimentos, tudo que for para eu aprender nessa fase, eu vou aprender.”
Karina Ribeiro quer chegar com antecedência em São Paulo para conseguir conhecer de perto o percurso da corrida e ficar preparada para o dia 31 de dezembro. Ela conta que tenta não se cobrar tanto nesse momento quanto a posição que pode chegar na corrida, mas muitas vezes as pessoas – colegas, amigos, conhecidos e familiares – acabam depositando nela suas próprias expectativas, em resposta diz que mais do que trazer uma medalha, quer viver a corrida e aproveitar o caminho. Claro que tem suas pretensões, pois espera chegar entre os 100 primeiros corredores, mas acredita que caso isso não aconteça, não ficará decepcionada. Já se considera uma vitoriosa de poder chegar até lá, de viver aquilo que imaginou quando ainda era uma adolescente.
“Eu vejo a corrida muito mais do que um pódio. Eu vejo a corrida muito mais do que ter um passo maior do que meu concorrente. Concorrente não, meu colega de estrada. Porque cada um ali tem uma história e cada um ali tem um objetivo. Então se a pessoa tá ali, é através da história dela e do objetivo dela e dos treinos dela. Então, eu não abro competição com ninguém. Se eu chegar em primeiro, tá massa. Se eu chegar em décimo, tá massa. Se eu chegar por último, tá massa.”
Fotos: Arquivo pessoal