Crônica | A possibilidade de tirar a máscara

Por Andressa Oliveira
Publicado em 24/05/2022
Foto: unplash license

Tire a máscara Bené. Agora já é possível voltar a sorrir. O amor precisa retornar.

Foi a frase mais bonita que Maria escutou, em uma quinta-feira ensolarada, sentada em uma mesinha branca, na esquina que dava acesso ao seu café favorito, quando a cidade já havia esquecido sobre a beleza que mora no rosto do outro.

Tire a máscara. A frase ecoava quase que de maneira inconsciente, quando Maria voltou sua atenção para aquele item, pequeno, que por tantos meses foi escudo, esperança, proteção e a forma mais potente de dizer ao outro: você é importante. Para Maria, a protagonista da pandemia foram as máscaras. Elas invadiram as cidades e tornaram as pessoas um pouco humanamente semelhantes, mesmo com tantas cores e tecidos costurados de muitos jeitos diferentes, era um sinal de alerta e um gesto de cuidado: Não se aproxime, mas também não se esqueça da humanidade que constitui toda gente, que pensa, que chora, que sofre, que caminha sem saber para onde está indo. Na multidão de corpos, no silêncio das ruas, no medo do amanhã, ao olhar para o outro, era possível encontrar um pouco de si no caos do mundo.

Tire a máscara. Sob a luz do sol, Maria pensava na lembrança da infinidade de conversas invisíveis que elas possibilitaram, nos olhares que cruzaram os corredores dos ônibus, as filas dos metrôs e todos os guichês dos aeroportos. Refletia sobre a humanidade provocada nas salas dos hospitais, quando as máscaras marcaram o rosto de médicos, enfermeiras e socorristas.

Tire a máscara. Maria queria um debate mais profundo. E se a frase estivesse escondendo uma crítica? Diante de um país divido pela política, separado pelo discurso religioso fundamentalista, marcado pela memória da perda de milhares de pessoas, Maria pensava: é possível voltar a sorrir? E na dúvida se questionava: qual máscara vamos ter de tirar primeiro? Aquela que veste o medo do futuro? Ou a que aprofunda as desigualdades entre pobres e ricos? Qual máscara? Aquela que nos faz sentir medo do tamanho das desumanidades que nos pertencem? Ou aquela que se veste de indiferença diante da vida?

Tire a máscara. É uma frase bonita, com muitas possibilidades, pensou ela.

A cidade já estava agitada e no caos que se estabelecia do lado de fora do café, refletiu mais uma vez, tentou encontrar humanidade em si e pensou que talvez a pandemia permitiu a sociedade olhar as facetas da vida com um pouco mais de coragem para tirar as máscaras que impendem o caminhar genuíno, o olhar humano, a empatia que ilumina o peito, o coração que fala ao outro: sua dor também dói e é importante.

Para ela, no final, a vida é sobre tirar a máscara, de si mesma, dos outros e da sociedade.

Como ela ainda não havia perdido a possibilidade do riso, se segurou na coragem, desejando que de fato o amor pudesse retornar para iluminar o caminho de toda gente que precisa sonhar de novo.

Se levantou da mesinha branca, dirigiu-se ao caixa, pagou seu café e se despediu do atendente. Ao cruzar a rua, tirou sua máscara, guardou na bolsa e respirou bem fundo. E pela primeira vez, em quase dois anos, fez algo humano. Maria sorriu.

Quinta-feira, o relógio marcava 12h15min.

Foto de capa: unplash

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