Crônica | As ovelhas

Foto: Unplash | Banco de imagem
Por Alex Conceição
Publicado em 26/05/2022

Durante muito tempo as ovelhas lutaram pelo direito de votar. Lutaram tanto que conseguiram. Agora elas escolhem quem as conduzirá, quem as tosquiará e quem, por fim, as abaterá.

Percebendo a constância com que ocorriam as tosas e os abates, elas entenderam que aqueles que as representavam eram muito diferentes delas, pois eram homens ou lobos, ávidos por explorá-las ao extremo. Então elas lutaram mais uma vez. Desta vez lutaram para que dentre os representantes estivessem também ovelhas. Lutaram tanto que conseguiram pôr suas semelhantes no poder.

Descobriram, por fim, algo inusitado: as ovelhas eleitas, semelhantes das demais, também sentam-se à mesa de homens e lobos, com casacos de lã alheia e pregam seus dentes na carne de suas supostas irmãs sem qualquer pudor. Aquelas que raramente se opõem são, de uma forma ou de outra, silenciadas e transformadas, a gosto ou contragosto, em cúmplices da hecatombe rotineira.

Mesmo diante da evidência dos fatos, as ovelhas insistem em entregar seus pescoços ao cepo de algozes escolhidos “democraticamente”. Não percebem que há algo de errado no conjunto da obra. Atém-se à esperança de que em algum momento haverá uma purificação ética e moral da situação. Não percebem que homens, donos dos pastos, e lobos, donos das garras e presas, as explorarão sempre, pois necessitam disso para manter-se enquanto aquilo que são. Não percebem que suas semelhantes se entregarão facilmente, pelo simples fato de serem privilegiadas estando ao lado daqueles.

Ora, quantas ovelhas não escondem atrás de belos discursos, o seu desejo construído de dilacerar, em benefício próprio, a carne de suas semelhantes? Quantas não estarão agora mesmo em passeatas e palanques esbravejando contra homens e lobos, quando na verdade desejam assemelhar-se a estes em algum aspecto – para não dizer em todos?

Os ouvidos da maioria, aquela que segue o pastor, seja ele quem for – homem, lobo ou ovelha –, ainda estão surdos para o balido que diz: pensemos mais a fundo. Busquemos eliminar quem nos guia. Busquemos, antes disso, eliminar as bases que sustentam aqueles que nos guiam. Lutemos pelo fim do cepo e não para que mudem as mãos, patas ou cascos que manuseiam o machado. Do que adianta trocar o carrasco, se a função de todos eles é sempre a mesma? Valeria muito mais a pena se nos debruçássemos sobre o problema com a intenção de elucidá-lo, do que de dar-lhe paliativos.

De fato, ainda são moucos. E, sendo assim, ruminarão docilmente em pastos que convirem aos mestres, lançando ovações a tais figuras quando estas discursarem pomposas palavras em sua frente; ou se acomodarão em seus mundos mais ou menos confortáveis, lançando, ora sim, ora não, balidos céticos, setas sem direção.

Foto de capa: unplash

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