Em 2015, uma dor no peito levou a historiadora, professora e escritora Su Ferraz a consultar um cardiologista. A preocupação era compreensível já que sua família materna possui histórico de doenças cardíacas. No entanto, os exames mostraram que o que lhe causava dor física era um quadro de adoecimento psicológico: a ansiedade.
No momento em que recebeu o diagnóstico, Su Ferraz percebeu que os sinais de ansiedade haviam aparecido há algum tempo. Entre outros sintomas como a baixa temperatura em suas mãos e pés, ela lembrou que algumas situações de tensão no trabalho acabavam desencadeando arritmia cardíaca. No mesmo ano, Su deu início a terapia e, depois de alguns meses, obteve uma melhora significativa.
Cerca de dois anos depois, em 2017, as crises de ansiedade retornaram, e no ano seguinte, vieram ainda mais intensas. A professora passou a ter falta de ar em ambientes agitados, tornou-se mais sensível aos barulhos, tinha pesadelos e pensamentos intrusivos recorrentes, ao passo que realizar atividades comuns do dia a dia se tornaram um desafio.
Ao retornar para a terapia, Su já imaginava que o que ela estava sentindo ia além das crises de ansiedade. “Eu falei o que estava acontecendo e ela [a psicóloga] falou: ‘Su, você precisa procurar um psiquiatra, o seu quadro é depressão.’ […] Eu não queria acreditar”, relembra. Na época, seus amigos formaram uma rede de apoio sendo compreensivos, conversando e ficando ao seu lado. “Eu sou imensamente grata, me faltam palavras, porque eu me afastei. Não é porque eu não gosto, eu amo meus amigos. Mas teve uma época que achei que eu estava fazendo mal para eles”.
A psicóloga Karla Pinheiro explica que nesses momentos o acolhimento e compreensão da família e amigos são de extrema importância. “O que eu posso fazer? É estar próximo, acolher, respeitar, trazer para perto, me importar”. Para ela, a pior forma de lidar com pessoas que estejam em um quadro de depressão é julgando, cobrando e, de alguma forma, minimizando sua dor. Além disso, rótulos como “frescura” ou “falta de Deus”, acabam afastando e alimentando a culpa e a autocrítica nessas pessoas. “A dor do outro pertence ao outro. A gente não sabe como é”, afirma.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil é o país da América Latina com maior prevalência de depressão. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, entre 2013 e 2019, o número de brasileiros diagnosticados com depressão passou de 7,6% para 10,2%, o que equivale a 16,3 milhões de pessoas maiores de 18 anos. Dessa porcentagem, a faixa etária mais afetada foi a de 60 a 64 anos, com 13,2%, além disso, a maioria da população brasileira diagnosticada com depressão é formada por mulheres.
Karla Pinheiro destaca que os principais sinais da depressão, são a tristeza profunda, apatia, insônia e isolamento. Além disso, deve-se ficar atento a dificuldade para manter a rotina como trabalho e estudo, e até necessidades básicas como higiene e alimentação. A psicóloga explica que o primeiro passo para começar o tratamento é a aceitação. “No primeiro momento, a opção mais assertiva é estar junto, ter ajuda, entender que sozinho não se sai do processo de adoecimento”, afirma. Karla completa recomendando a terapia, o retorno à rotina e a atividade física. “Não é estar dentro de uma academia 24 horas, é fazer uma caminhada, andar de bicicleta, se permitir estar em um local onde tire aqueles pensamentos que você, às vezes, acha que não consegue controlar.”
A depressão ainda é um tabu
Um dos fatores que mais preocupou Su Ferraz no momento em que recebeu o diagnóstico foram os estigmas associados à depressão. “Quando eu soube o que eu tinha, doeu muito, muito mesmo. Mas hoje eu entendo que doeu muito não por ter depressão, mas pelo preconceito.”
Karla Pinheiro explica que o preconceito contra a depressão e outras doenças mentais acaba fazendo mais mal para quem já está em sofrimento. “O preconceito provoca o julgamento e automaticamente a pessoa acaba tendo opiniões e conceitos de algo que ela não entende e traz pra pessoa que está sofrendo de uma doença emocional uma carga de concepções que não pertencem a ela. O preconceito em si é muito prejudicial pra saúde mental”, diz.
Su Ferraz também destaca como a empatia faz diferença para quem passa ou passou por algum processo de adoecimento mental. Ela ressalta que enquanto pessoas com condições como o câncer ou problemas cardíacos são acolhidas, o mesmo não acontece com transtornos como a depressão ou a ansiedade. “Talvez seja por isso que muitas pessoas acabam tirando sua vida, porque não conseguem se abrir para alguém por causa do preconceito”. Essa falta de compreensão, segundo Su, incentiva ainda mais o isolamento.
Esses estigmas também podem retardar o processo de tratamento para algumas pessoas, principalmente por uma concepção pejorativa que a sociedade ainda tem em relação ao tratamento e a medicação para doenças mentais. Karla Pinheiro afirma que, “a psicologia, na realidade, ela trata a doença mental, ela trata as emoções para não chegar a um estágio que não se pode fazer nada. Então, é uma prevenção”.
A assistente social e coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS de Poções, Elisandra Silva, diz que o tabu da saúde mental dificulta também o trabalho do CAPS, que, muitas vezes, é visto até como um manicômio e não como uma unidade de saúde como qualquer outra no município. “Muitos jovens têm abandonado o tratamento por achar que aqui é lugar de doido, e a própria população lá fora ela rotula isso, às vezes a própria família por falta de conhecimento também fala”.
Entre os jovens e adolescentes, os sintomas da depressão e outros distúrbios emocionais podem ser notados com mais evidência no ambiente escolar
O período da adolescência é marcado por um rápido crescimento e muitas mudanças, fazendo com que seja uma fase crucial para a saúde mental dos indivíduos, por isso, distúrbios emocionais podem ser recorrentes. No Brasil, o relatório Situação Mundial da Infância 2021 estima que 3,6% dos jovens de 10 a 14 anos e 4,6% dos adolescentes entre 15 e 19 anos sejam afetados pela ansiedade. O relatório mostra ainda que 1,1% dos jovens de 10 a 14 anos e 2,8% entre 15 e 19 anos enfrentam a depressão.
A psicopedagoga e diretora da Escola Municipal Luis Heraldo Duarte Curvelo, Angela Ferreira, explica que os sinais de adoecimento nesses jovens ficam ainda mais visíveis na escola. “A gente observa muito as ausências, o aluno começa a se afastar da escola; a baixa das notas e do rendimento; a busca por ficar dentro do banheiro matando aula; o isolamento, mesmo estando em grupos; o choro; a falta de zelo consigo e a baixa a autoestima. A gente vê a mudança de comportamento de uma maneira muito sutil.”
Para ela, os professores em sala de aula devem ficar atentos a mudanças comportamentais dos alunos, pois geralmente esses comportamentos não são identificados pelos pais, ou acabam não sendo levados a sério. “Eu penso que, quando a gente escolhe a profissão de professor, o nosso trabalho está para além de trabalhar as disciplinas. Todos os profissionais que trabalham nesse universo, trabalham de maneira humanizada. Então nós necessitamos sim ter esse olhar e, enquanto cidadãos, a gente precisa alertar a comunidade e as famílias do adoecimento desses jovens e dessas crianças”, afirma.
A psicopedagoga explica que, dentro do ambiente escolar, a melhor forma de lidar com a saúde mental dos alunos é trabalhar a cultura de forma mais ampla, e fazer com que eles tenham um ambiente seguro e sem julgamentos para que se sintam à vontade para discutir suas emoções. Além disso, é preciso reforçar o protagonismo juvenil, criar uma rede entre a escola, as famílias e os serviços de saúde e valorizar cada vez mais as relações humanas. “Isso é essencial para resgatar o jovem e trazer um olhar empático para a sociedade.”
A importância do acolhimento e prevenção ao suicídio
Um estudo publicado em março de 2024 na revista The Lancet Regional Health Americas, desenvolvido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde – Cidacs/Fiocruz Bahia, em parceria com pesquisadores da universidade de Harvard, apontou que o número de suicídios entre os jovens aumentou em 6% ao ano, entre os anos de 2011 e 2022. Assim como a taxa de autolesão na faixa etária de 10 a 24 anos, que aumentou em 29% ao ano. O estudo evidencia ainda que apesar da porcentagem de suicídios mundial ter uma queda de 36%, entre os anos de 2000 e 2019, houve um aumento de 17% nas Américas e de 43% no Brasil.
Segundo dados da Secretaria da Saúde da Bahia – Sesab, no estado da Bahia, em 2023, foi observado um aumento de 6% no índice de suicídios em relação ao ano anterior. Homens representam 83% dos casos com uma maior incidência na faixa etária de 30 a 59 anos (54,3%), a porcentagem de jovens é de 25,6%, a de idosos está em 19,2%, e a de crianças em 0,9%. A pesquisa mostra também que trabalhadores agrícolas representam um terço da porcentagem total.
“A pessoa que tenta suicídio de uma forma fatal ela não quer morrer, ela quer apenas aliviar uma dor ou preencher algo que tem dentro dela que nunca foi preenchido, e é uma dor que não tem medida, que não tem medicamento”, diz Elisandra Silva. Em Poções não existe um grupo específico para atender pessoas com depressão, no entanto, o CAPS faz esse acolhimento. Conforme a coordenadora, o atendimento é feito principalmente às pessoas que já estão em estado grave, que praticaram a autolesão sem risco de morte, ou de forma fatal, ou seja, é um serviço de média complexidade.
O CAPS é destinado a atender e acolher pessoas que de fato estejam em angústia e sofrimento psíquico, como episódios de ansiedade, depressão, psicose e outros distúrbios. O serviço funciona de forma livre, para qualquer pessoa que precise de ajuda em níveis mais avançados pode procurar o atendimento.
Uma das primeiras medidas preventivas para pessoas com quadro de depressão é encaminhá-las para a unidade de saúde mais próxima. Essas unidades, responsáveis por atender questões menos complexas da comunidade, também realizam procedimentos de acolhimento. “É importante a família ter esse acompanhamento e sinalizar a unidade de saúde da família para fazer essa acolhida. Tem a equipe multi de saúde mental do município, que trabalha com a unidade de saúde, tem psicólogo, tem assistente social, tem fisioterapeuta, tem educador físico e tem o CRAS [Centro de Referência de Assistência Social]. Saúde mental é algo muito complexo, não se resume só na saúde, tem todo um contexto”, afirma Elisandra.
Após a chegada do paciente no CAPS, é realizada uma triagem e acolhimento, com base na escuta do paciente é identificado seu nível de adoecimento e o grau de necessidade do atendimento, essa etapa é crucial para a realização dos procedimentos seguintes. De acordo com a assistente social, a etapa do acolhimento para uma pessoa em um episódio de sofrimento psíquico é uma das medidas que mais auxilia no processo de cura. Quando os sinais são notados e os procedimentos necessários são realizados, é possível estabilizar o quadro psicológico, evitando que ele decline ou evolua para uma medida drástica.
Para Elisandra Silva, o acolhimento familiar também desempenha um papel importante, ajudando a prevenir problemas maiores. É necessário que as pessoas estejam atentas aos sinais que possam surgir no comportamento de seus familiares. “Existem alguns sinais que crianças, adolescentes ou jovens podem apresentar antes de se isolarem ou se automutilarem. Esses sinais estão ligados ao comportamento diário. A gente vive em um mundo tão turbulento, com tantas obrigações, que não conseguimos observar esses comportamentos, que são muito importantes de serem observados no âmbito familiar”, diz Elisandra.
Em Poções, apesar da recorrência, não existem dados que mostrem o índice de suicídio no município. Também não existem dados que mostrem a taxa da população afetada por depressão e outras doenças mentais.
Saiba onde buscar ajuda:
UBS (Unidade Básica De Saúde) / Postos de Saúde
Para casos leves e moderados
Unidade de Saúde da Família
Para acolhimento inicial.
Caps (Centro De Atenção Psicossocial)
Serviço voltado para média complexidade especializado no tratamento e acompanhamento de casos como, depressão, ansiedade, esquizofrenia, dentre outros transtornos.
CVV – Centro de Valorização da Vida
Associação sem fins lucrativos que presta serviço voluntário gratuito 24h por dia de apoio emocional e prevenção ao suicídio de forma totalmente anônima. Acesse o site do CVV ou ligue 188.
Site Mapa da Saúde Mental
O site Mapa da Saúde Mental mostra um mapa para locais que oferecem atendimento em saúde mental para que pessoas que estejam sofrendo com algum adoecimento possam recorrer.