Educação primária: acompanhamento familiar contribui para melhor desenvolvimento e adaptação escolar

Por Daniela Palmeira
Publicado em 27/02/2023

Era seu primeiro dia de aula e Maria Clara, de apenas 4 anos, já se sentia pronta. Apesar de ser algo novo e em parte desconhecido, a curiosidade era o sentimento dominante. Maria Solange, como mãe, além de curiosidade, também sentia preocupação na expectativa de como seria esse dia, pensava se sua filha, uma criança com Síndrome de Down, conseguiria se sentir bem, acolhida e adaptada nesse novo ambiente. No entanto, bastou deixar a filha na escola, que logo o coração de Maria Solange ficou mais calmo. “Eu levei, ela entrou, sentou e ‘tchau mamãe’, deu tchau.” 

Na hora de buscar a filha na escola, a mãe de imediato procurou a professora para conversar sobre o primeiro dia de aula, e ficou feliz em saber que Maria Clara conseguiu ficar na sala e não chorou. Assim que ela chegou na sala para levar a filha, a reação de Maria Clara a tranquilizou ainda mais. “Quando eu cheguei ela disse ‘entra mamãe.’ Porque ela queria me mostrar a sala onde ela estudava, mostrar a professora, mostrar a monitora”, relembra.

Rayana Moreira é mãe de três filhos, e também sentiu o coração apertado ao deixar o filho mais novo na escola para o primeiro dia de aula. Mesmo já tendo passado por essa experiência outras vezes, ela conta que o sentimento é sempre o mesmo. “Deixar assim de primeira é difícil. É bem difícil.” Apesar disso, sabia que era necessário e que estava fazendo a coisa certa. João Miguel, de 4 anos, contrariando os sentimentos da mãe, estava empolgado e ansioso para viver experiências diferentes. Assim como Maria Clara, ao chegar na escola se despediu da mãe e foi conhecer aquele novo mundo de descobertas.

Para a neuropsicopedagoga Jucineide Almeida a fácil aceitação e adaptação das crianças à escola se dá pelo modo como os pais preparam a criança, desde seus primeiros anos, para a vida escolar. “Quando a criança é preparada pelos pais, ela é segura, ela é autônoma.” Desenvolver essa relação envolve participar ativamente da vida da criança: apoio, diálogo e altas doses de afeto.

No entanto, nem sempre essa é a realidade. Em 2014 o movimento Todos pela Educação divulgou os dados da Pesquisa Atitudes pela Educação que avaliou o perfil de pais de alunos entre 4 e 17 anos, matriculados da educação infantil ao ensino médio em escolas de todas as regiões do país. O levantamento apontou que 19% dos pais são considerados distantes do ambiente escolar e da própria relação com os filhos. Enquanto apenas 12% dos pais são considerados comprometidos com o desempenho e vida escolar do filho. O estudo classifica ainda os pais como envolvidos (25%), vinculados (27%) e intermediários (17%). Os dados apontam o baixo envolvimento dos pais no cotidiano dos filhos e a falta de apoio, diálogo e incentivo com a vida escolar, fatores decisivos para um bom desenvolvimento da criança.

O que vem antes do primeiro dia de aula?

Medo, preocupação, ansiedade, curiosidade e empolgação, são sentimentos comuns ao vivenciar essa fase. Tudo isso porque o primeiro dia de aula e os primeiros anos de escola são momentos simbólicos e marcantes para uma criança, capazes de gerar memórias que influenciarão em diferentes circunstâncias ao longo de sua vida. No entanto, o modo como a criança irá reagir a esse dia, depende majoritariamente da sua relação em casa com a família. 

Segundo a professora da zona rural do município de Iguaí, Luciene Correia de Melo, ao chegar na escola o aluno já carrega consigo uma bagagem de vivência que vem do contato com a família. Essa bagagem, será a base que a criança terá para enfrentar seus primeiros desafios. “Quando o aluno começa na escola, ele vai com aquele medo, aquela insegurança porque está deixando a família pra ir conviver com outras pessoas às quais ele não tinha contato”, explica Luciene. 

Por isso, para que essa etapa de entrada na escola seja realmente um processo de aprendizado, é preciso que os pais estejam atentos a uma série de cuidados que devem desde muito cedo fazer parte da vida da criança. A neuropsicopedagoga Jucineide Almeida, elenca dois fatores essenciais: primeiro de tudo o afeto, algo primordial e que deve guiar a relação entre pais e filhos; outro ponto importante, são os estímulos sociais e educativos que devem iniciar em casa. “A gente aprende no nosso convívio, então a criança vai ser estimulada daí”, destaca.

Jucineide Almeida, neuropsicopedagoga

Atividades e brincadeiras simples podem ser feitas para que a criança desenvolva conceitos e noções básicas como: sim, não, pode, não pode, direita, esquerda, para cima, para baixo. “Os pais têm o dever de preparar a criança conceitual e prático para as questões do dia a dia”, conta Jucineide. Observar como a criança reage a cada um desses estímulos é uma forma de perceber sua potencialidade. A neuropsicopedagoga reitera ainda que “A criança só vai ser alfabetizada se ela tiver esses conceitos.”

Cada família adapta a sua maneira o melhor modo de estimular a criança. Para Maria Solange, além de muito diálogo, uma solução para preparar Maria Clara para a entrada na escola foi criar sua própria escolinha dentro de casa. Tudo aconteceu no período da pandemia, quando “Clarinha”, assim como muitas crianças, não puderam ingressar de modo convencional na escola. Maria Solange queria que a experiência da filha fosse a melhor possível, na escolinha improvisada ela era a professora e Clarinha sua aluna fiel. “Eu montei uma salinha com a mesinha, colocava papel na parede e o que eu pudesse fazer eu fazia”, relembra a mãe.

Rayana Moreira também se preocupou que João Miguel, antes de entrar na escola, já tivesse noções básicas. Rayana conta que sempre manteve uma relação muito próxima com os filhos. “Eu sou aquela mãe de sempre conversar”, explica, por isso, brincar e conversar fazem parte da rotina da família. Dentre as atividades que ela buscou realizar estão os jogos educativos, uma forma que ela encontrou de se divertir com o filho e ao mesmo tempo despertar estímulos nele.

Rayana Moreira em momento de brincadeiras com seu filho

Família e escola: apoio, segurança e confiança

Dados coletados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no Pisa 2015, demonstram a influência do apoio dos pais na aprendizagem dos alunos. Com enfoque em ciências, a pesquisa mostra como o desempenho dos estudantes que disseram que os pais se interessam muito pela vida escolar foi maior (414,08 pontos), do que dos estudantes em que os pais não demonstram interesse (357,19). Uma diferença que equivale a quase dois anos de estudos entre os dois grupos. Nesse sentido, o apoio e participação ativa dos pais no processo de educação dos filhos, desde os primeiros anos na escola, pode influenciar o desempenho do estudante.

A presença dos pais no cotidiano escolar, desde o ensino infantil, é uma forma de demonstrar para a criança o valor da educação em sua vida. Levar e buscar na escola, comparecer às reuniões, ajudar nas tarefas e conversar sobre o dia a dia, são atitudes que demonstram apoio, exalam segurança e incentivo. Para a professora Luciene Correia de Melo, é nítida a diferença de desenvolvimento entre alunos que têm o apoio dos pais e aqueles que não tem. “A gente observa quando o aluno tem o acompanhamento dos pais, os pais envolvidos, engajados, eles [os alunos] aprendem de forma mais rápida, mais positiva.”

Maria Solange acredita que demonstrar apoio à filha em sua jornada na escola é uma forma de expressar para Maria Clara de que ela é capaz, apesar de suas dificuldades. “Se tem algo que ela não consegue aprender ali uma vez, duas vezes eu insisto dez, vinte, se for preciso, mostrar pra ela que tem coisa que pode aprender com facilidade, tem coisa que pode demorar, mas que ela vai conseguir aquele objetivo, eu passo bastante segurança pra ela”, conta orgulhosa Maria Solange. 

Maria Solange e Maria Clara

É nessa troca de afeto e proteção que a relação entre mãe e filha se constrói como uma base forte e de confiança. “Clarinha” sabe que pode contar tudo para a mãe e encontrar ali um lugar de conforto (e um “puxão de orelha” de vez em quando). “Do jeitinho dela ela conta tudo”, diz Maria Solange trocando um sorriso de cumplicidade com Maria Clara, “A gente conversa muito mesmo.”

João Miguel também faz questão de compartilhar com Rayana cada pedacinho do seu dia. Ao chegar em casa a empolgação toma conta, logo João pega o caderno e quer mostrar as atividades que fez, como fez e o novo desafio que tem a cumprir. Para Rayana, esses são momentos de muita alegria, no qual ela sempre procura dar toda a atenção. “Quando você não procura fazer isso, eu acho que a criança fica com aquela sensação de que está sozinho, que não tem alguém ali pra poder auxiliar. Então eu sempre procuro estar fazendo isso.”

Dessa forma, a relação entre escola e família é outro ponto importante no processo de acompanhamento da vida escolar. A escola é também uma base para a formação do indivíduo e por isso deve partilhar de uma boa relação com os pais, como relata a professora Luciene Correia de Melo. “Os pais devem buscar apoio dentro da própria escola, sempre participando, procurando saber do professor do seu filho a respeito do dia a dia, do cotidiano. Perguntando, participando das atividades pedagógicas dos filhos, se informando.” Luciene completa que escola e família nunca devem andar separados.

Rayana tem orgulho de dizer que nunca faltou a uma reunião na escola dos filhos. Ela gosta de manter ativa sua relação com a escola. Além das reuniões, procura professores e/ou diretores para acompanhar o desenvolvimento dos filhos, para ela, esse acompanhamento de sempre ter a família presente na escola foi algo que fez parte de sua vida, e hoje faz de tudo para que os filhos também possam viver isso.

Rayana Moreira e filhos

Contudo, nem sempre manter essa relação com a escola é uma tarefa fácil. Maria Solange já passou por situações difíceis com sua filha. O fato de Maria Clara necessitar de cuidados específicos em diferentes momentos foi algo complicado na escola e Maria Solange sentiu,  haver uma falta de preparo para lidar. Mas Maria Solange sempre foi atrás da escola, pronta para questionar as atitudes que não a agradavam. Como mãe, estava mais que disposta a procurar uma solução e dividir a experiência que tem cuidando de sua filha. Pelo lado da escola, Maria Solange ficou satisfeita de encontrar abertura para o diálogo. “Eles me deram todo o espaço, sabe? Todo o espaço para eu questionar. Para procurar uma solução e dar a minha sugestão, eles também dão as sugestões deles e a gente trabalha junto as dificuldades dela.”

É esse trabalho em conjunto entre família e escola que possibilita que crianças como Maria Clara e João Miguel consigam desfrutar, ainda que tão jovens, de sua vida escolar. Acreditar que estão no caminho certo e que são capazes de descobrir um mundo cheio de possibilidades. É a segurança, apoio e confiança em todo esse percurso que fez João Miguel dizer com sinceridade ao final das férias: “eu estou com saudade da escola.”

Fotos: Daniela Palmeira

Relacionados

As poçõenses Maria Luiza Sousa e Josy Ketlen Oliveira estão entre as concorrentes às coroas de misses, nas categorias teen e adulto, respectivamente, do concurso de beleza Miss Bahia CNB...

O fim dos anos de 2021 e 2022 foram angustiantes para diversos baianos que sofreram os impactos das fortes chuvas. Eram cinco horas da manhã em um dia de dezembro...

Com o intuito de fortalecer o jornalismo independente do Nordeste, diversas organizações da região se uniram de forma inédita para lançar uma campanha conjunta de financiamento coletivo. A proposta leva...

Pular para o conteúdo