Empreendedorismo feminino estimula o desenvolvimento econômico em bairros periféricos de Poções

Na cidade de Poções, onde as vagas de trabalho são destinadas, na maior parte, pelo poder público municipal ou pelo comércio, mulheres encontram no empreendedorismo a saída para a arrecadação de renda. 
Por Leila Costa, Lalume Carneiro e Nataly Leoni
Publicado em 08/07/2022

O número de mulheres que empreendem voltou a crescer no Brasil após queda registrada durante os primeiros meses da pandemia da Covid-19. Segundo estudo divulgado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o número de mulheres a frente de um negócio chegou a 10,1 milhões no último trimestre de 2021.

Mesmo com o aumento no número, as mulheres ainda são minoria entre os empreendedores brasileiros. São 34% de mulheres liderando seu próprio negócio. Este crescimento, mesmo que a passos lentos, se mostra como uma situação homogênea no país, e no sudoeste da Bahia não seria diferente. 

De acordo com Josi Viana, gerente regional do Sebrae, o empreendedorismo feminino é um movimento muito forte e de grande relevância para a região. Ela destaca que a mulher empreendedora surge, em muitos casos, de uma necessidade ou uma alternativa de renda e que essas mulheres antes de abrirem um negócio buscam se qualificar para aquilo que vão fazer. “A mulher empreendedora busca o processo de capacitação, ela está mais atenta a participar de programas, de cursos, de consultorias. Então a mulher, ela de fato vem para contribuir com esse desenvolvimento da região sim, na medida em que ela passa a ocupar esses espaços,” conta.

Essa capacitação faz com que os negócios liderados por mulheres  se destaquem no meio empresarial. De acordo com o estudo do Sebrae, 68% das mulheres que empreendem têm o ensino médio completo ou mais, enquanto para homens o número é de 58%. 

Na cidade de Poções, onde as vagas de trabalho são destinadas, na maior parte, pelo poder público municipal ou pelo comércio, mulheres encontram no empreendedorismo a saída para a arrecadação de renda. 

Atualmente, o empreendedorismo feminino não está reservado apenas ao centro da cidade, muitos empreendimentos estão localizados em bairros descentralizados e até em pontos periféricos. Segundo Josi Viana, a iniciativa de um negócio localizado em um bairro afastado do centro da cidade, local onde está situado o centro comercial, traz um processo de desenvolvimento para aquela localidade, pois além de reter riqueza naquele bairro, surge também a possibilidade da geração de novos empregos para moradores, o que aumenta o poder de compra da população fazendo com que o bairro prospere.

Mas como é empreender em um bairro que não está na centralidade? Como é ser empreendedora? As empreendedoras Iara Castro, 26 anos, Tatiane Morais, 27 anos, Luana Sousa, 34 anos, Laisa de Almeida, 31 anos, Loren Chris de Oliveira, 21 anos, Stella Nascimento, 16 anos, Geisa Silva, 26 anos, e Suane Santos, 24 anos, viram no empreendedorismo uma forma de executar aquilo que gostam e, ao mesmo tempo, ter seu próprio negócio nos bairros em que residem. 

Mulheres empreendem em bairros periféricos de Poções.

Mulheres poçõenses e empreendedoras

Seja tatuadora, nail designer, trancista, confeiteira e criadora de embalagens, seja vendedora de semijoias, cabeleireira, depiladora ou quem vende roupas, todas têm pontos em comum: começaram a trabalhar desde cedo, visualizaram as dificuldades do mercado de trabalho poçõense, viram no empreendedorismo a oportunidade de realização profissional e aproveitaram o espaço que já possuíam para criarem seus negócios.  

Estúdio Maria Bonita Tattoo

Iara Castro é psicóloga e tatuadora, dona do estúdio de tatuagem Maria Bonita Tattoo, localizado no bairro São Paulo. Iara sempre gostou de desenhar, e ao ver a necessidade de trabalhar para pagar sua faculdade de psicologia precisou pensar em algo que pudesse garantir uma renda extra e permitir que ela tivesse flexibilidade de horários. Ela lembra de estar em seu antigo trabalho, olhar para uma de suas tatuagens e ver ali a oportunidade perfeita para colocar em prática uma de suas paixões, ter flexibilidade de tempo e pagar a faculdade.

Iara Castro conseguiu desenvolver através do estudo e de forma autodidata a habilidade para desenho que possuía desde pequena, adquirindo técnicas agora voltadas para a tatuagem. “Pesquisei quais os principais materiais que eu teria que ter, e fui aprendendo em casa”, conta. Com o tempo ela evoluiu na técnica, e estudou todo o processo da tatuagem, dos protocolos de biossegurança, à regulagem das máquinas. Foi a partir do desejo de dar vazão a toda essa experiência e ter um espaço só seu, que em 2018 nasceu o estúdio Maria Bonita Tattoo. Sua decoração também é uma forma de mostrar um pouco da personalidade da própria Iara, é por onde ela manifesta seu orgulho pela cultura nordestina e a força feminina através das imagens de Maria Bonita grafitadas nas paredes.

Iara Castro abriu o próprio estúdio de tatuagem

Tatiane Moraes trabalhava em uma agência bancária, mas sempre teve uma paixão por fazer unhas, entretanto era apenas um hobbie, até o início da pandemia quando decidiu tentar algo totalmente novo. A mulher de cabelos ruivos encaracolados e com um sorriso sempre no rosto e brilho nos olhos, narra o seu percurso para chegar na profissional que é hoje. Segundo Tatiane Moraes, até as paredes do seu espaço foi ela quem pintou, e sempre compartilhou com as pessoas, através das redes sociais, sua trajetória de estudo e dedicação, mostrando que assim como ela, outras pessoas podem fazer o mesmo e conquistar clientes por toda a cidade. Em cada canto do seu salão, um espaço de sua casa na rua Antônio Muniz, no Bairro Primavera, traz conforto e a tranquilidade que é o lema da profissional.

Luana Sousa saiu de uma realidade totalmente oposta à que vive hoje. Tudo começou em São Paulo, quando tinha apenas 16 anos de idade, não concluiu seus estudos por lá pela necessidade de trabalhar, os horários não combinavam, mas por outro lado, o seu talento em lidar com cabelos afro a fez ser quem é hoje. Com um salão em casa, sua maior dificuldade sempre foi a financeira. Já em Poções, depois de trabalhar como empregada doméstica, ela, juntamente com o marido Eli Oliveira, que a incentivou a fazer o curso completo de cabeleireira, fez  com que se realizasse profissionalmente, trabalhando com tranças em seu próprio espaço. As lembranças de quem já viveu muita coisa, deixa a satisfação estampada em seu rosto, assim como quando visualiza os cabelos de suas clientes trançados e seu salão montado pronto para receber quem a procura.

Se tratando de inovação, Laisa de Almeida ganha corações, com apenas 2 meses de criação do seu empreendimento, a criatividade ganhou forma através das embalagens confeccionadas por ela e, para complementar a confeitaria, com doces personalizados diferentes daqueles tradicionais da cidade.

Quando ainda era estudante de biologia no Instituto Federal Baiano de Santa Inês, Laisa vendia bolos e doces para complementar sua renda, e depois de formada acabou deixando de lado a confeitaria para exercer a sua área de formação. Mas, a beleza, o gosto e a satisfação que a confeitaria possibilita para Laisa, a trouxe de volta, trabalhando em casa e com um modelo de retirada dos produtos pelos consumidores. Ainda que o a “Embalando Sonhos e Amor” seja uma empresa nova, a experiência como empreendedora já tem um caminho percorrido. Antes gerente e subgerente de um supermercado no estado do Mato Grosso e dona do mercado em Poções, aberto no final de 2018, ela carrega consigo a certeza de que é necessário pesquisa, estudo e afinidade na área em que irá empreender.

Para além do trabalho manual, a revenda de produtos também é uma forma de empreendedorismo. Quando criança Loren Chris já vendia pulseiras feitas de fitas para conhecidos, aos 16 anos, por meio da escola, conheceu o que é empreendedorismo em um curso e como produto final desenvolveu um projeto que fez tudo começar. Hoje, Loren possui uma loja  virtual com mais de mil seguidores, e quem vê de longe nem imagina que a sua primeira venda começou de uma caixa de batom incentivada pela sua mãe, mas com persistência, transformou o que era antes um sonho escrito no papel em realidade.

Para Stella Nascimento, empreender foi realizar um sonho de família. Ela queria construir algo próprio, unindo assim sua paixão pelo trabalho de cabeleireira. Dessa forma, a loja que migra entre salão, roupas e cosméticos, tem começado com pequenos passos das duas irmãs e da mãe. Para isso, o instagram foi um grande aliado na divulgação, assim como o apoio da família e amigos que auxiliaram no reconhecimento para entrar no mercado de trabalho e tornar a Glamour LM conhecida. 

Geisa Silva é dona de uma loja de roupas femininas  no bairro Primavera. Ela, que desde a adolescência foi empreendedora, enxergou na boa localização da sua casa e sua identificação com o ramo da moda, a oportunidade para criar a Geysa Moda Fashion, uma loja que vende roupas e acessórios novos, seminovos e usados. Sua loja já possui uma clientela fixa que sempre está à procura de novidades e do preço acessível.

Já Suane Santos está começando no empreendedorismo, ela é depiladora e atende em um espaço na sua residência, localizada no bairro Santa Rita. Suane conta que começou a empreender após insatisfações e limitações que os cargos em que trabalhou lhe causavam, tanto na parte financeira como em questão de tempo, viu na criação do próprio negócio a oportunidade de realização e gestão do seu tempo.

Redes sociais como vitrine

Segundo dados do Sebrae, cerca de 69% das mulheres que empreendem usam a internet como aliada para o seus negócios. As redes sociais são as principais ferramentas para divulgação e comercialização dos produtos, ou ainda para manter um relacionamento com os clientes.

Tatiane Moraes usa sua conta no instagram para divulgar seu trabalho e também para manter um relacionamento com suas clientes. Ela conta que usa o instagram para criar conexão com suas clientes, mostrando seu dia a dia e as suas conquistas. “Pessoas se conectam com pessoas, então não adianta só vender, você tem que se conectar com a pessoa que você vende, porque você vai fidelizar o seu cliente”, conta Tatiane Moraes.

Suane Santos também usa sua conta para divulgar as conquistas e assim gerar conexão com as clientes. Já Luana Sousa usa sua página para divulgar o trabalho que faz, mostrando o antes e  depois das clientes.

Iara Castro divulga seu trabalho em um perfil criado para o estúdio,  lá, ela também compartilha conhecimentos sobre o mundo das tatuagens. Já Geisa Silva, divulga seus produtos e mantém um relacionamento com suas clientes por meio de grupos do Whatsapp, usando a plataforma também como vitrine para mandar as novidades.

Laisa de Almeida, 31 anos, utiliza das redes sociais com o apoio dos influenciadores da cidade, para isso ela manda amostras que eles divulgam trazendo engajamento para a empresa, além disso em datas comemorativas faz divulgação no whatsapp através de catálogos e parcerias em lojas para que os produtos cheguem a pessoas que ainda não conhecem a empresa, o trabalho que iniciou na páscoa, através do instagram hoje já possui 725 seguidores. 

Para Loren Cris Oliveira, o poder das redes sociais é ainda mais presente no ramo do empreendedorismo Por ser uma loja virtual, a LC Shop produz conteúdo para os seus seguidores desde 2017, para isso, a empreendedora utiliza fotos, artes gráficas e outras ferramentas das redes sociais para divulgar seu trabalho e incentivar outras mulheres a seguir o mesmo sonho de empreender, assim como dicas de modas com os acessórios da loja para completar o look. 

Stella Oliveira, 16 anos, conquistou 60 seguidores com apenas um mês de loja virtual e três publicações, e afirma que o estudo na área não para, pois pretende crescer e divulgar a marca Glamour LM, se tornando cada vez mais conhecida na cidade, o projeto que um dia sua família idealizou.

Os desafios de empreender

Para Josi Viana, mesmo com as conquistas, o empreendedorismo feminino ainda encontra preconceitos e dificuldades. “Um desafio encontrado é conciliar os diversos papéis. A mulher empreendedora geralmente não é só empreendedora, ela muitas vezes é mãe, ela é filha, às vezes ela é realmente a pessoa que responde pelo lar, então ela tem esses diversos papéis, isso por si só já é um grande desafio. Além dos diversos preconceitos que ainda existem na nossa sociedade, a gente tem vencido, tem ultrapassado, mas infelizmente isso ainda acontece em algumas esferas”.

Iara Castro conta que empreender foi bem difícil no começo devido a falta de conhecimento do mercado. “Sempre existem obstáculos, mas sempre respiro fundo e vou procurar meios para que possa aprender a lidar com aquilo. O suporte que fui buscar foi pela internet mesmo. A parte mais complexa é sempre a burocrática, de ter que abrir o MEI (Microempreendedor Individual), contabilidade, mas sempre vou pesquisando por onde tenho que começar, o que fazer, como fazer e vou em busca de melhorar ainda mais o meu negócio”.

Geisa Silva destaca que ser empreendedora requer uma boa educação financeira e o saber investir. “Empreender é saber identificar oportunidades e transformá-las em algo lucrativo, é saber perceber a necessidade do  seu cliente, oferecendo o produto no qual atende as suas expectativas”, diz.

Para Luana Sousa o maior obstáculo foi o investimento, na época ela não possuía o capital necessário para abrir o salão e por isso precisou buscar ajuda de parentes. Sua avó teve um papel crucial no começo, oferecendo o empréstimo de parte da quantia em dinheiro que ela precisava. Além disso, Luana já estava recebendo clientes e com o dinheiro dos pagamentos, investia no salão. 

A maior dificuldade na trajetória de Laisa de Oliveira foi começar, ela conta que houve um receio em relação à clientela, o fato de ser um novo empreendimento no mercado já é um desafio, precisando conquistar seu espaço. Ela conta que seu maior aliado vem sendo a divulgação. Além disso, Laisa menciona as dificuldades que tem para encontrar materiais e chocolate com preço acessível para suas confecções em Poções. Para continuar suas produções ela recorre a lojas virtuais, ou até a comércios em cidades vizinhas como Vitória da Conquista.   

Assim como Laisa de Oliveira, as maiores dificuldades de Loren Oliveira, no começo, foram relacionadas a divulgação, em como conseguir novos clientes, e mostrar para as pessoas o que ela tinha a oferecer. Além disso, também veio a dúvida de como conseguir os fornecedores dos produtos específicos que gostaria de vender em sua loja, ela conta que não sabia como a relação entre vendedor e fornecedor funcionava. “Os maiores obstáculos realmente são esses, você enfrentar tudo de cara, com toda a burocracia que tem por trás do empreendedorismo, não é só uma lojinha, tem muita coisa por trás que às vezes a gente não vê, e como na época eu ainda era muito leiga no assunto, só sabia por cima, a ponta do iceberg, ainda não tinha mergulhado profundamente para entender todas as questões”, afirma.

O dinheiro para investimento também foi uma dificuldade para Stella, ela se viu em um dilema entre investir em um local, ou em mercadoria. No começo, ela não possuía a quantia necessária para as duas coisas, então foi à procura de fornecedores que oferecessem produtos de qualidade e com menor preço.

Josy Viana destaca a importância de estimular o empreendedorismo feminino, segundo ela isso é possível por meio de informações. “Muitas vezes a mulher já empreende, mas as vezes ela não tem nem consciência de que  está empreendendo, não tem consciência de que ela tem mecanismos legais que traga até seguridade em algumas situações para ela, que traga possibilidade do acesso ao crédito, que traga possibilidade do benefício previdenciário, as vezes ela entende que não é algo que faz parte da realidade dela, mas é algo hoje que é acessível, não é caro abrir uma empresa como microempreendedor individual, não se paga nada para abrir uma empresa, a manutenção que se tem é muito pequena,” informa. 

Mesmo diante dos obstáculos e com as dificuldades encontradas, todas essas mulheres acreditam que empreender foi a melhor decisão tomada por elas. Para Laisa de Oliveira significa ter divulgação, bom atendimento e bom produto para os clientes. Já para Loren Chris Oliveira, empreendedorismo se trata de “arriscar, tirar nossas ideias do papel e transformá-las em realidade. É se entregar a um sonho por inteiro e fazer acontecer, é enfrentar os obstáculos e as dificuldades, e mesmo assim continuar firme e forte com a realização de seus projetos”, e para além disso, Tatiane Morais afirma que “a gente é do mundo, como diz a filosofia nós somos o nosso meio e não tem coisa melhor do que está no meio em que você ame e que você goste [..] é deixar de realizar o sonho dos outros e viver o seu sonho”.

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