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Empreendedorismo informal é realidade para mulheres poçoenses

Muitas mulheres ainda recorrem ao empreendedorismo para garantir sua renda e autonomia.
Por Nataly Leoni
Publicado em 06/06/2025
Foto: Freepik

O dia já começa agitado para Saionara Silva. Ela levanta cedo, cuida da casa e depois inicia sua segunda jornada. Entre as tarefas domésticas e a rotina das vendas, ela se divide para garantir seu próprio sustento produzindo e vendendo vários tipos de sucos detox, nos horários de pico, em academias da cidade. Ainda dando os primeiros passos como empreendedora autônoma, ela faz tudo sozinha, desde a preparação, a organização, o transporte e, por fim, as vendas, que já ocorrem há quase sete meses.

Saionara morou em São Paulo por muitos anos. Na maior cidade da América Latina, trabalhou para outras pessoas em empregos formais, mas quando voltou a Poções para morar com seu pai, decidiu seguir outro caminho. O cansaço da rotina desses empregos, aliado à necessidade de ter uma renda, mas com qualidade de vida, foram fatores que influenciaram sua decisão. Eu trabalhava muito e não tinha qualidade de vida, a vida que eu tinha era só trabalho”, lembra. Foi assim que surgiu a ideia de empreender, como uma forma de garantir a renda e também proporcionar flexibilidade nos horários de trabalho. 

O negócio começou com a venda de sanduíches naturais no centro da cidade, assim, Saionara produzia e saía para oferecê-los às pessoas. No entanto, a empreendedora percebeu, à medida que os dias se passavam e não havia nenhum aumento nas vendas, que o produto não tinha a adesão necessária para gerar lucros. 

Foi então que decidiu mudar o produto e a estratégia, e foi assim que chegou ao suco detox. Com o tempo, Saionara entendeu que  vender em locais específicos, como as academias, ajuda a alcançar um público já interessado nesse tipo de produto. “Eu fui estudando, pois precisava apresentar o produto e nem todo mundo sabe o que é o suco detox”, conta ela. Hoje, reproduz receitas que pesquisa na internet e estuda sobre o valor nutricional e benefícios de cada variedade de suco que vende. 

A história de Saionara Silva reflete uma realidade há muito tempo presente em todo o território nacional. De acordo com o estudo “Panorama do Empreendedorismo Feminino no Brasil”, publicado em 2024 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 23% das mulheres ocupadas no país são empreendedoras, já os homens são 34%

Da quantidade geral, 80% dessa população, entre homens e mulheres que trabalham por conta própria, estão no meio informal. Dentro dessa porcentagem, a quantidade de mulheres empreendedoras informais é de 77%, e 23% são formalizadas. Outro dado que chama atenção é que 15% das mulheres empregadoras também são informais.  

“O que mais existe no Brasil é o empreendedorismo por necessidade e não por vocação. A taxa de desemprego vem reduzindo ao longo dos anos, inclusive ela reduziu esse ano também, mas o desemprego feminino permanece superior ao masculino. Quando a gente abre os dados, percebe-se que o desemprego feminino é ainda maior para as mulheres negras. Afinal, as mulheres não são um amontoado homogêneo de pessoas, e, em um país colonizado como o Brasil, as diferenças impactam fortemente no mercado de trabalho”, explica Maryanna Nascimento, economista e mestre em economia social e do trabalho. 

Saionara conta que já fez um investimento para a produção dos sucos e, atualmente, está focada em divulgar e construir sua clientela. “No começo é difícil mesmo, eu entendo que é difícil, porque a pessoa é nova, a gente não conhece o produto, então demora”.

O empreendedorismo informal 

Segundo a Organização Internacional do Trabalho – OIT, o empreendedorismo informal abrange atividades econômicas e negócios que não possuem registro empresarial ou de proteção legal para os trabalhadores. O estudo do MDIC, em parceria com o PNUD, aponta que em 2024 as mulheres empreendedoras – seja no meio formal, informal ou empregadoras – possuem um rendimento menor do que os homens, e isso pode ser resultado das dinâmicas das desigualdades de gênero.     

A economista Maryanna Nascimento explica que a desigualdade de gênero continua muito presente no mercado de trabalho, o que torna o meio do empreendedorismo ainda mais atrativo. “No Brasil, as mulheres estudam mais do que os homens, mas estudar mais do que os homens, não significa que elas terão rendimentos maiores do que os homens. Na verdade, não significa nem que elas terão rendimentos iguais […] Então não são todas as mulheres que fizeram a escolha de empreender”. Apesar das desigualdades, muitas mulheres encontram no empreendedorismo informal uma liberdade que elas não teriam como funcionárias em uma empresa. 

Marilene Santos faz parte do grupo de mulheres que viram no empreendedorismo um caminho mais alinhado com seu estilo de vida e, por isso, empreende há cerca de 30 anos. Ao longo de sua carreira, a empreendedora já assumiu diversas funções de trabalho, inclusive em uma escola com um emprego formal, mas não se enxergava fazendo aquilo por muito tempo, se sentia presa e nunca gostou da relação chefe-funcionário.

Marilene já se aventurou nas vendas de uma variedade de produtos, começou como revendedora Avon, com o tempo passou a vender cartões, depois joias folheadas e agora vende lingerie. Assim como Saionara Silva, ela mesma que separa, organiza e transporta os produtos sozinha até a casa dos clientes. “As clientes me recebem bem, gostam e, às vezes, muitas já estão até esperando a mercadoria”, conta.

Diferente de Marilene e Saionara, a estudante Mércia Teixeira concilia seu pequeno negócio com a vida acadêmica. Ela enxergou nas vendas uma forma de ajudar com custos como alimentação e outros gastos que tem enquanto cursa Agronomia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Nos intervalos das aulas, Mércia vende para outros alunos as trufas que ela mesma faz há pouco mais de um ano.

Mércia conta que utiliza o tempo livre em casa para produzir as trufas e que já possui clientes fixos. Ela acredita que, além da qualidade e sabor das trufas, a facilidade em encontrá-la no campus colabora para as vendas. “Só precisam mandar uma mensagem e eu chego […] inclusive uso o sistema de cartão fidelidade com eles”.

Levando seus produtos diretamente para as pessoas, as  mulheres acreditam que são capazes de ter um lucro maior. Marilene Santos crê que assim as pessoas se sentem mais à vontade na hora da compra. Para ela, essa proximidade é uma oportunidade para criar um vínculo com os clientes. “Muitos clientes até chegam a conversar, fazer um desabafo, esse tipo de coisa. Eu acho muito gratificante […] eu prefiro ir até o cliente, apesar de ser mais cansativo”, conta Marilene. 

Já Saionara Silva acredita que carregar com ela os produtos têm um efeito positivo nas vendas, pois ela tem a oportunidade de chegar ao cliente, apresentar e explicar a respeito de seu produto, no entanto, também gostaria de ter um ponto só para ela.  “Eu queria ter um ponto pra vender o suco, vender coisas naturais. Talvez na academia, que tem um público alvo, ter um pontinho lá, colocar meus produtos e ficar fixo, talvez futuramente”, conta ela. 

Mércia Teixeira não pensa em levar adiante as vendas e tornar o negócio maior do que é hoje, mesmo sendo algo que ela gosta, não é o seu sonho de vida. Ela pretende seguir uma carreira alinhada com sua formação em Agronomia, assim que concluir o curso. “Gosto de me aproximar das pessoas e conseguir uma rendinha extra[…] Mas quero poder atuar na minha área, de preferência na parte de controle biológico de pragas”, afirma.

Desafios de ser quem é no meio do empreendedorismo 

“O empreendedorismo informal no Brasil revela a persistência dos altos índices de desigualdade entre as classes sociais, com destaque para as mulheres negras e pobres, porque são elas que constituem a maioria do setor informal no Brasil”, informa Maryanna Nascimento. Essas desigualdades estão refletidas em dificuldades encontradas pelas mulheres que fazem do empreendedorismo sua fonte de renda e estão todas relacionadas ao baixo rendimento e segurança. 

Maryanna Nascimento, economista.

Saionara Silva conta que, no começo, ela se sentiu insegura em entrar nas academias para vender seus sucos detox, em contrapartida, foi muito bem recebida pelos frequentadores e funcionários e, mesmo assim, as vendas nem sempre são suficientes. “Eu fico triste, às vezes, pela quantidade que eu produzo, porque eu acabo não vendendo bem como eu gostaria”, conta. 

Assim também é a vida de Marilene Silva que, mesmo com a vasta experiência no meio, continua encontrando essa dificuldade, principalmente relacionada a clientes desconhecidos. “Quando eu encontro clientes que ainda vou passar a conhecer, que eu não sei se vai ser uma pessoa boa mesmo, de coração bom, ou que eu possa ter problemas”. 

A pesquisadora Maryanna Nascimento aponta que o empreendedor informal acaba enfrentando desafios que vão além da gestão do seu próprio negócio, pois só existem políticas públicas que garantam seus direitos, quando se é formalizado. “Porque uma pessoa, seja homem, seja mulher, ao ser formalizada, garante os mínimos sociais necessários para sua existência. Além da renda, essa pessoa tem proteção social”, explica. 

Mesmo com as dificuldades e incertezas, o empreendedorismo é o caminho que elas encontraram para garantir sua renda e conquistar autonomia.  “Eu me sinto realizada, até porque, as pessoas aonde eu vou elogiam o meu trabalho, falam que gostam da forma que eu as trato, isso, para mim, é muito gratificante”, conta Marilene. 
Da mesma forma, Saionara Silva afirma que gosta do que faz. “Eu não queria abrir mão disso. Eu estou fazendo o que eu gosto. Trabalhar para outra pessoa não é a mesma coisa de trabalhar para você”. Saionara ainda deseja aprender e experimentar muito mais com seus produtos, além de pretender se especializar na área da nutrição para melhorar ainda mais os seus produtos.

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