Falta de políticas de incentivo resultam em baixa procura à bibliotecas públicas

Por Daniela Palmeira
Publicado em 26/04/2023

A experiência de ler pode ser transformadora para todos que experimentam essa atividade, como diz a famosa frase de George R. R. Martin, “um leitor vive mil vidas antes de morrer. O homem que nunca lê vive apenas uma”. 

Como uma leitora ávida, Suerlange Ferraz já viveu algumas vidas e ainda espera viver muitas outras que a aguardam em sua estante. É com carinho que ela conta que seu amor pela leitura surgiu quando ainda era criança, pois sempre foi um incentivo que recebeu dos seus pais. “Meus pais só estudaram até a antiga terceira série, então são semianalfabetos, e eu era estimulada a ler”. Para ela, sempre foi uma alegria muito grande viajar pela imaginação e viver no mundo dos livros.

Hoje, como professora da rede pública e privada de Poções, Suerlange Ferraz entende que estimular a leitura é também uma parte fundamental da sua profissão. “Ler vai ajudar o aluno a escrever melhor, ele fala melhor e ele sonha. E sonhar é uma das coisas mais fascinantes que o ser humano pode ter”. No entanto, ela percebe que há dificuldades para que o aluno desenvolva o hábito de leitura, como por exemplo, o imediatismo tecnológico e as formas de acesso aos livros, visto que no Brasil os preços ainda são muito altos. 

A professora Suerlange Ferraz

A pesquisa Painel do Varejo de Livros no Brasil de 2023, do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, em parceria com a Nielsen Bookscan Brasil, apontou que o preço médio de livros no Brasil é de R$ 45,71. Uma quantia que chega a quase 8% do valor cotado para uma cesta básica na capital baiana, segundo informações do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Nesse sentido, o consumo de livros ainda é uma realidade complexa para grande parte da população.

Por isso, Suerlange Ferraz acredita que as bibliotecas públicas são formas acessíveis de conseguir ter contato com as mais diversas possibilidades de livros. “[A biblioteca] é a porta de acesso para pessoas que não tem condição de comprar livros e ter o mundo a seus pés”, diz a professora. Além de um ambiente que pode ser usado de maneira lúdica e atrativa para variados tipos de públicos. 

Contudo, esses espaços recebem cada vez menos recursos. Entre 2017 e 2021, o Brasil perdeu mais de 800 bibliotecas públicas, conforme apontou o relatório anual do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) de 2022. Ou seja, há ainda um descaso público diante da relevância social desses espaços e dos cuidados necessários para que eles continuem existindo. Ignorar a importância das bibliotecas, é ignorar sua oportunidade de desenvolver no cidadão uma percepção crítica e entendimento de cultura, memória e história por meio da leitura.

Diante desse cenário, a biblioteca parece estar cada vez mais deixando de ser uma opção para as pessoas. Segundo dados da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2019 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), Itaú Cultural e IBOPE Inteligência, 68% dos entrevistados disseram não frequentar a biblioteca. Entre aqueles que frequentam, 14% responderam que frequentam raramente, 13% às vezes, e apenas 4% sempre frequentam o local. 

A pesquisa procurou entender ainda, o que faria as pessoas que não frequentam, ou que frequentam as vezes e raramente, ir mais vezes ao local. Na resposta mais votada, 29% dos entrevistados disseram que nada faria frequentar. No entanto, na segunda e terceira resposta com maior porcentagem, o fato se ser mais próxima de casa (17%) e ter mais livros ou títulos novos (14%), seriam motivos de incentivo para os entrevistados.

Os leitores e a Biblioteca Municipal de Poções

Poções não é uma exceção à regra quanto ao fluxo de visitações e frequência de leitores. Hoje, a Biblioteca Municipal Raimundo Meira Magalhães recebe de forma mais ativa o público infanto-juvenil, seja para utilizar o espaço para trabalhos escolares ou em visitações. Foi assim que Maria Luiza Palmeira conheceu a biblioteca. Ela conta que durante o ensino fundamental era muito comum ir em grupo com outros colegas para fazer alguma pesquisa e/ou atividade. O ambiente cheio de livros lhe enchia os olhos. A cada visita, ainda que para outros fins, sua curiosidade sobre o que poderia encontrar ali aumentava.

Maria Luiza Palmeira, estudante

Atualmente Maria Luiza está a poucos passos de completar o ensino médio, é fascinada por literatura, mas nunca chegou a pegar um livro na biblioteca. Depois que terminou o ensino fundamental ela não voltou a frequentar o local. “Eu nunca parei para pensar ‘nossa vou na biblioteca’”, diz. É como se toda a magia que antes provocava tantas interrogações, não a fizesse sentir mais nada. Por não ter mais a necessidade de utilizar o espaço, ele deixou de ser uma escolha, e nem ela percebeu outros atrativos que a influenciassem a voltar lá. “Não se vê nada falando da biblioteca.” 

Assim, mesmo entre aqueles que já têm um hábito de leitura ou que sentem interesse por livros, frequentar o local muitas vezes nem chega a ser uma opção. Também é o caso de Adriano Almeida que é apaixonado por livros, tanto que resolveu empreender e abrir um sebo na cidade, onde vende livros novos e usados. Qualquer pessoa que já fez uma visita ao local, com certeza saiu de lá com alguma indicação e com uma boa conversa.

Adriano Almeida, dono de Sebo

Como dono de um sebo, Adriano Almeida entende que é preciso criar atrativos e estímulos para que as pessoas se interessem pela leitura. Para ele, o local, as edições dos livros e a forma de se comunicar, são fatores centrais para aproximar as pessoas. Esses são também os motivos pelos quais ele acredita que as pessoas pouco frequentem a biblioteca municipal. “Para você levar uma pessoa a frequentar uma biblioteca, você precisa ter um espaço legal (…), tem que ter diversidade de livros para agradar o público geral, tem que ter obras diferenciadas.” Em sua opinião, atualmente a biblioteca se encontra em um local escondido e conta com um acervo limitado.

Natália Costa já foi uma frequentadora assídua da biblioteca, sempre gostou do ambiente, de estar entre os livros e, por meio disso, poder conhecer “pessoas interessantes e cenas únicas.” Contudo, em visitas recentes ao local, ela percebeu que o acervo parecia menor e com pouca variedade, com a carência de livros atuais e que supram a necessidade do público. Assim como Adriano e Luiza, ela sente que falta investimento, incentivo e divulgação, pois é preciso competir pela atenção do público. Para Natália Costa, deixar de lado esses fatores, faz com que muitas pessoas da cidade não saibam onde a biblioteca está localizada ou mesmo aqueles que saibam, não deem o devido valor.

Natália Costa, estudante e empreendedora

Como alternativa para conquistar o público, Suerlange percebe que o que falta à biblioteca é estar efetivamente entre as pessoas. Distribuindo panfletos, colando cartazes, apresentando os funcionários e convidando aos alunos e professores de escola em escola, lançando concursos de poemas e poesias etc. Fazer tudo que estiver ao alcance para que esse espaço seja parte ativa do cotidiano da cidade. 

O que a Biblioteca Municipal tem feito?

Por mais curioso que possa parecer, a Biblioteca Municipal de Poções está alocada na secretaria de administração do município. Ainda que, por vezes, realize parcerias com a secretaria de educação, as principais demandas não são de sua responsabilidade. Na presente gestão, a biblioteca é coordenada por Horrana Chalimar, que assumiu o cargo em 2021. 

Horrana Chalimar conta que em relação ao poder público a biblioteca é bem assistida. Desde que assumiu o cargo, durante a pandemia, a coordenadora conseguiu colocar em prática alguns projetos e realizar melhorias no espaço, como por exemplo, a aquisição de novos computadores e a licitação para uma reforma. Além disso, o cadastro e catalogação dos livros e fichas também está passando por mudanças, após vários anos sendo feitos de forma manual, agora passam a ser digitais.

Quanto às atividades desenvolvidas na biblioteca, a coordenadora destaca o projeto Educação que Transforma, que surgiu em 2021 como uma maneira de ajudar alunos do ensino fundamental com o ensino remoto, em virtude da pandemia. Hoje o projeto continua em andamento, a partir dele os alunos podem ter aulas de reforço escolar, na própria biblioteca. A realização desse projeto inspirou outros, como O Mundo Encantado da Biblioteca, que contou com a parceria entre escolas municipais, em que diferentes turmas eram levadas para conhecer o local.

As principais atividades da biblioteca atualmente estão voltadas para o público infanto-juvenil, visto que o contato com as escolas municipais é algo acessível e também pelo fato de a biblioteca contar com uma sala especial para o público infantil. No entanto, o espaço ainda é carente de projetos e atividades que beneficiem e estimulem outros públicos. Horrana percebe que há essa necessidade e diz já ter projetos em mente, como realizar rodas de conversas com professores e adolescentes para discutir livros importantes para vestibular, concurso e/ou faculdade. Da mesma forma, ela conta estar planejando ações que envolvam as secretarias de administração e cultura, a fim de conseguir atingir mais pessoas.

Para que essa aproximação seja possível, é preciso ter um acervo que disponha de livros atuais e com diversidade de quantidade, temáticas e gêneros. Quanto a isso, a coordenadora explica que os livros são solicitados conforme a demanda daqueles que frequentam, além de que a biblioteca também depende de doações. Contudo, Horrana reitera que “estamos sempre atualizando e sempre solicitando livros novos.” 

Fotos: Aquivo pessoal

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