Após o período pandêmico, mudanças ocorreram em diversos aspectos da vida, principalmente na forma em que aproveitamos os momentos livres. Um estudo divulgado pelo Itaú Cultural, em setembro de 2022, mostrou que 62% da população realiza atividades de lazer presencialmente com menos frequência se comparado a antes da pandemia.
Além disso, a internet acabou se tornando a principal fonte de lazer e cultura principalmente para os jovens. O mesmo levantamento afirma que a maior parte das pessoas utilizam seu tempo livre em atividades online como assistir filmes e ouvir música. No entanto, aponta que deve haver um equilíbrio entre o uso da internet e as interações interpessoais. A Psicóloga Daniela Sampaio afirma que as rotinas humanas são construídas principalmente no meio social, os momentos de lazer proporcionados pela internet são válidos, porém, é importante que haja um contato em sociedade.
“São nos momentos de lazer que a gente se permite viver e expressar as coisas que nos são mais íntimas, que tem mais afinidade com a nossa personalidade, e são nos momentos de lazer que a gente abre mais espaço para viver de forma mais saudável os nossos laços, os nossos afetos. Um outro ponto muito importante é que o lazer faz essa quebra na rotina. E ao fazer essa pausa possibilita que os sujeitos tenham esse espaço para vivenciar outras experiências positivas ou para fazer coisas das quais gosta muito e que julga que são importantes também”, explica Daniela Sampaio.
E quando não existem espaços para o lazer?
Quando atividades culturais e de lazer presenciais passam a não ser mais uma opção devido a escassez de ambientes diversificados que permitem interações a todos os públicos, as experiências interpessoais também podem afetar as pessoas psicologicamente. A nível social, Daniela Sampaio afirma que a falta dessas atividades pode causar um adoecimento, por privar, principalmente os jovens, mas também os adultos desses momentos e vivências. “Há uma maior probabilidade de isolamento social, redução das interações sociais, bem como aumento dos níveis de estresse.”
Em Poções, os recursos destinados ao investimento em cultura e lazer ainda são limitados, o que resulta em uma oferta reduzida de espaços, atividades e eventos voltados para essas áreas. Ana Liz Santos, de 18 anos, costuma sair com seus amigos nos momentos de lazer, mas sente falta de mais opções de entretenimento na cidade. “Acho que poderia investir nessa área mesmo de entretenimento, um cinema, como havia antigamente na cidade”, diz.
Assim como ela, Gabriele Gonçalves, de 18 anos, aproveita seu tempo livre também sai com amigos para passear no centro e acredita que a população da cidade conta com opções de lazer, mas de uma forma reduzida. O que, além de fazer com que as pessoas acabem tendo que se deslocar para outras cidades, consequentemente torna elitizada também a cultura, o lazer e o entretenimento.
Consequências para a prática artística local
A limitação nas atividades culturais e de lazer afeta a população como um todo, mas também dificulta o trabalho dos artistas locais que dependem dessa movimentação. De acordo com ator, poeta, roteirista, diretor, contista e produtor cultural Antony Soares a falta dessas atividades, “limita as oportunidades de apresentação e interação com o público, dificultando assim tanto a criação de um hábito cultural, quanto o desenvolvimento e aperfeiçoamento de peças e ideias artísticas da parte do produtor de arte.”
Para Antony Soares, a falta de uma programação cultural na cidade, o alcance à cultura e ao lazer acaba se tornando inacessível principalmente para residentes das zonas periféricas da cidade, da zona rural e pessoas em vulnerabilidade social. Dessa forma as manifestações culturais poçõenses ficam desvalorizadas e “contribui para a falta de identidade cultural e a diminuição da qualidade de vida”, diz.
Já o dançarino e professor de dança, Matheus Godeiro acredita que em Poções existem opções de cultura e lazer, pois há grupos de artistas que apesar de não ter apoio, ainda persistem na cidade. Porém, ainda há uma grande demanda por atividades como essa que possam abranger toda a população. “O pouco que temos entre recurso, seriedade do poder público para com os artistas, não consegue suprir a grande demanda porque requer investimento, vontade política e responsabilidade com os artistas”, afirma.
Matheus Godeiro reitera que é necessário olhar para expressões artísticas diversificadas para que haja mais inclusão. “A visão de cultura em nosso município somente é levada à ponta desta pirâmide e não enxerga a base, o ator de rua, o bate lata, as quadrilhas, os cantores, os grupos de hip-hop e etc.” Matheus completa afirmando que essa visão acaba invisibilizando muitos artistas locais.
Quando a cultura e entretenimento da cidade é deixada de lado, toda diversidade e herança cultural presente na cidade pode também cair no esquecimento. Antony Soares diz que quando a memória não é preservada a identidade cultural da cidade acaba se quebrando, por isso é necessário que haja a construção de um acervo cultural. “Dá a impressão errônea de que sempre se está começando algo do início, e que não existe toda uma história de arte ali, nomes, grupos e formas de se fazer e contar a história de vidas e da própria comunidade usando a arte como ferramenta principal.”
Para os artistas, é necessário que haja uma organização visando uma maneira de manter o fluxo de atividades na cidade e possa dar oportunidades aos artistas e proporcionar entretenimento maior à população. Matheus Godeiro e Antony Soares acreditam que é preciso estabelecer um calendário cultural com ampla divulgação para que a população possa aderir às atividades e se programar para estar presente. “Precisamos de um calendário cultural. Não temos carnaval. Não temos um São João. Não temos uma agenda de espetáculos e atividades na cidade. A cultura não pode ser encarada como evento e sim como promotor das mudanças de uma sociedade”, afirma Matheus Godeiro.
Apesar disso, Antony Soares acredita que com a criação do Conselho de Cultura, os incentivos por meio da Lei Paulo Gustavo e a forma como os artistas e pessoas envolvidas no meio cultural estão sendo informados a respeito da construção de projetos no cenário cultural em Poções, a situação pode melhorar significativamente em 2024. Matheus Godeiro diz que o poder público deve enxergar a cultura com mais seriedade. “Há 10 anos falávamos que a cultura não estava legal. Ainda estamos falando isso. O que mudou de lá para cá? Daqui dez anos quero voltar aqui e dizer ‘nós conseguimos’.”
Recursos para lazer e cultura
Para o poder público, a falta de recursos é um dos fatores que impossibilita um fluxo de atividades constante voltado para a cultura, lazer e entretenimento em Poções. “O esporte e o lazer não tem recursos próprios, o que a gente faz é com o que sobra da arrecadação do município, às vezes surge uma fatia da arrecadação para a gente fazer esses eventos” diz, Pedro Ribeiro, coordenador de quadras e campos. A secretária de esportes, turismo e lazer, Maria Palmeira, conta que é feita uma programação de eventos para ocorrerem ao longo do ano, porém, muitas vezes esses eventos não acontecem em razão da falta desses recursos. Atualmente um dos projetos que recebem investimento da pasta é o Projeto Esporte por Toda Parte.
O mesmo acontece com a pasta de cultura. O secretário de cultura Gildásio Júnior afirma que “historicamente o setor da cultura em Poções sempre encontrou muitos desafios, por não ter recursos próprios nem uma política estruturada e que regulamente o setor.” Os recursos utilizados na produção de eventos e investimentos em projetos acabam sendo remanejados de outras áreas.
Apesar disso, Gildásio Júnior afirma que com os recursos da Lei Paulo Gustavo, no futuro a cidade poderá contar com diversos novos projetos culturais e investimento nos que já existem. “Estamos colaborando com os projetos de dezenas de profissionais da cidade para que possam desenvolver seus trabalhos e movimentar o setor. Acredito que a partir do próximo trimestre já veremos novamente uma Poções com aquela agitação cultural de alguns anos atrás”, declara.