Mandatos coletivos: uma nova maneira de pensar o legislativo poçõense

Por Daniela Palmeira
Publicado em 02/09/2024

Política e coletividade andam juntas, afinal, fazer política está necessariamente ligado à participação popular. Quando se trata de eleições, o poder legislativo é o espaço em que espera-se que a coletividade seja representada de forma mais plural. No caso dos municípios, por exemplo, os vereadores – em tese – devem ser os representantes das diferentes ideologias, lutas e anseios da população, a fim de aprovar e criar leis que contemplem ao máximo suas necessidades e demandas. 

Ainda assim, nem sempre esses ideais refletem a realidade, ou mesmo acontecem de forma satisfatória. Em meio a construção de formas cada vez mais inclusivas de se fazer política, novos modelos de pensar velhas estruturas surgem, como é o caso dos mandatos coletivos ou compartilhados, algo relativamente recente na política eleitoral brasileira, válido para cargos do legislativo.

O primeiro caso reconhecido desse tipo de candidatura data do ano de 2016, nas eleições municipais em Alto Paraíso (GO). O mandato foi registrado em nome de João Yuji, mas era formado por um grupo de pessoas que buscavam maior descentralização política, representação diversa, participativa e adaptativa.

Na Bahia, a chapa Pretas por Salvador é o primeiro mandato coletivo do estado, e conta com a participação das co-vereadoras Cleide Coutinho, Gleide Davis e Laina Crisóstomo, eleitas em 2020 pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). A luta antirracista e pautas como o feminismo, direito das mulheres, direito à moradia digna, educação popular com igualdade de gênero e raça, juventude, o combate à intolerância religiosa, à gordofobia e LGBTQIA+fobia são algumas das principais causas defendidas pelas vereadoras. 

Os mandatos coletivos buscam alinhar conhecimentos e experiências diversas, com o objetivo de compor um legislativo com vozes múltiplas, que possam efetivamente atuar em diferentes áreas da sociedade e tomar decisões em conjunto, tendo como base os mesmos princípios. O advogado especialista em Direito Público e Lei de Responsabilidade Fiscal, Vinícius Souza, explica que o mandato coletivo reúne pessoas em torno de objetivos comuns, e pode ser uma oportunidade interessante para grupos, movimentos sociais e associações, por exemplo. 

Como funciona um mandato coletivo?

Apesar de casos como o de João Yuji em 2016, e das Pretas por Salvador em 2020, o registro de candidatura coletiva só foi reconhecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2021, a partir de uma alteração na Resolução nº 23.675, que orienta como deve acontecer o registro.

No entanto, não há uma lei específica que regulamente como o mandato coletivo pode/deve se organizar. “A candidatura coletiva, como não tem uma regulamentação legal, funciona de forma informal em relação às deliberações. (…) Ela é aceita, de modo que você pode se lançar como um grupo, mas você não poderia, por exemplo, atuar de forma alternada”, afirma Vinícius Souza.

Isso porque o mandato coletivo, de certa forma, ainda segue o padrão legal de um cargo eletivo convencional. Primeiro, a candidatura coletiva é registrada em nome de um integrante do grupo, que será o representante oficial da chapa para a justiça, nas urnas e também quem receberá o título de vereador(a), caso seja eleito(a). Apenas este representante será o responsável legal pelo mandato. Ou seja, o salário irá para uma conta particular com seu nome, ele(a) é quem participará das sessões da câmara, das votações, discussões e apresentações de projetos. Em caso de desistência, falecimento ou afastamento, quem responderá pelo mandato será o suplente do partido, os(as) co-vereadores(as) não têm direito a assumir.

A maneira como as decisões e deliberações entre os(as) co-vereadores(as) acontecerão, ficam a critério do próprio grupo. A ideia é que tudo seja resolvido de forma coletiva, como melhor favorecer o grupo. Por ainda não existir uma regulamentação que oriente essas ações, Vinícius Souza conta que é comum a criação de estatutos próprios, com o intuito de estabelecer normas e diretrizes para o mandato. Para o advogado, a falta dessa regulamentação é uma desvantagem do mandato coletivo, e que acaba reduzindo a autonomia do grupo e a participação direta de cada um nas atividades do mandato.

Apesar disso, Vinícius Souza, percebe que a quantidade de candidaturas coletivas tem aumentado nas últimas eleições, o que exige desse formato mais precisão no modo como é executado e compreendido pela justiça eleitoral. Segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, o número de candidaturas coletivas registrou um recorde. Foram 213 ao todo, em meio a um total de 26.979 candidaturas aptas (0,79%), 64% concorrendo para deputados estaduais ou distritais, 34% para deputados federais e 2% para o Senado. Diante disso, conforme ganha espaço na sociedade, Vinícius Souza acredita que o mandato coletivo irá amadurecer legalmente, dispondo de uma legislação específica.

Nas eleições municipais de 2020, de acordo com o Relatório de Pesquisa, as candidaturas coletivas foram concentradas no estado de São Paulo, com 41,3%. A Bahia ficou na sétima colocação com 4,15%.  Por região geográfica, o Nordeste é a segunda região com mais candidatura, ficando atrás apenas do Sudeste.

Candidatura coletiva em Poções

Nestas eleições, Poções conta com sua primeira candidatura coletiva – novidade não só para o município, mas para toda a região circunvizinha. A chapa Unidas por Poções é formada pela graduanda em História, Aline Livramento; pela assistente social Ângela Santos; e pela trabalhadora rural Sirlene de Jesus. As candidatas são filiadas ao PSOL e contam que a possibilidade de candidatura coletiva já havia sido pauta em algumas reuniões do partido. Quando chegou o momento de decidir os nomes daqueles que seriam candidatos, Aline e Sirlene demonstraram interesse, mas ainda sentiam insegurança em seguir esse caminho sozinhas.

Conversando entre si e entre os demais filiados do partido, Aline, Ângela e Sirlene chegaram à decisão de que registrar uma candidatura coletiva seria a melhor opção. Através dessa modalidade poderiam reunir os conhecimentos e experiências de cada uma e propor algo diferente e inovador para o município. Juntas, a chapa Unidas por Poções busca trazer, principalmente, maior representatividade e diversidade feminina na Câmara de Vereadores. “Eu acho que uma candidatura coletiva proporciona a representatividade de fato”, justifica Ângela. Além disso, a possibilidade de seguirem unidas para enfrentarem uma candidatura, visando um mandato, trouxe mais confiança para cada uma das candidatas.

Para Ângela Santos, que já se candidatou em anos anteriores, a campanha eleitoral é um momento importante, espaço em que encontra a possibilidade  de apresentar suas ideias e debater sobre a situação da cidade. Dessa vez, “está sendo muito divertido”, diz. A candidatura coletiva lhe deu um ânimo novo, e proporciona uma experiência diferente das que já viveu. 

Já Aline Livramento e Sirlene de Jesus, que se candidatam pela primeira vez, explicam que cada passo dado na campanha é um aprendizado. “Estou muito feliz pela minha coragem de ter colocado o meu nome, porque ao mesmo tempo que é uma coisa muito boa, mas sabemos que tem dificuldades”, relata Aline. Além disso, Sirlene conta também que tem sido muito bom receber o apoio dos seus eleitores, amigos e família.

Observando o cenário político de Poções, as candidatas esperam que a candidatura coletiva seja uma novidade que desperte interesse, curiosidade e chame a atenção dos eleitores para formas alternativas de fazer política. “Em Poções, eu acho que tem uma turma que gosta de novidades. Então, estamos esperando para ver. Acho que se por um lado tem essa parte da estranheza, por outro eu acho que o momento, essa contemporaneidade, permite essas novidades”, diz Ângela.

A representante oficial da chapa é Aline Livramento. Ela aparece como candidata no registro do Tribunal Superior Eleitoral, e é também seu nome e foto, junto com o nome da chapa, que aparecerão na urna no dia da votação. As candidatas explicam que a decisão pelo nome de Aline foi algo acordado entre as três, levando em conta a rotina, empregos e demais questões da vida pessoal de cada uma. As decisões tomadas, até agora, sempre levaram em consideração as percepções das três e é assim que pretendem seguir adiante com o mandato: compartilhando as responsabilidades. “Uma sempre apoiando a outra”, conclui Sirlene.

Foto de Capa: Freepik

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