Muito além de um diretor Global: conheça a história do roteirista, diretor e cineasta Rogério Sagui

Por Leila Costa
Publicado em 29/08/2022

Rogério do Livramento Silva, popularmente conhecido como Rogério Sagui, um apelido que recebeu dos amigos de infância e adotou como nome artístico, é um diretor, roteirista, cineasta e produtor poçoense com indicações para prêmios em festivais nacionais e internacionais e atual diretor de novelas da Rede Globo.

Rogerio Sagui começou a trilhar seu caminho na arte ainda na infância participando de grupos de ternos de reis da família. “Eu me lembro de sair acompanhando o ternos de reis desde criancinha com meus tios que têm grupos de reis até hoje, no Bairro Bela Vista, o Terno de São Sebastião, eu sempre acompanhei, sempre gostei daquilo, tanto das danças quanto do figurino, dos tambores, das melodias cantadas no reisado, sempre fiquei muito fascinado com aquilo”, conta.

Naquele tempo, Sagui nem sabia que aquilo que fazia era arte. “O reisado era uma forma de vida, então ninguém falava que era arte, que era o artista do reis, até hoje ainda tem essa coisa,  mas eu sei que desde ali eu já era artista. Eu já me vestia, já acompanhava, já fazia volume ali para o grupo cultural dos meus tios”.

Na pré-adolescência, Sagui passou a participar do grupo Unijovem, lá aprendeu teatro e a dança que o acompanhou por muito tempo. Para ele, foi a partir da Unijovem, no início dos anos 2000, que ele passou a se entender e reconhecer como artista do teatro e da dança. 

Em entrevista para o Site Coreto, Rogério Sagui conta um pouco sobre sua trajetória, fala sobre a inserção no mercado audiovisual, seus trabalhos e sobre suas experiências como diretor da atual novela das 18 horas da Rede Globo.

Da arte para a arte e o início no audiovisual

Sagui começou seu percurso no audiovisual após assistir ao filme Central do Brasil. O filme que tem direção de Walter Salles e foi escrito por João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein, apresenta a história de Dora, interpretada por Fernanda Montenegro, uma professora que trabalha como escritora de cartas para pessoas analfabetas na Estação Central do Brasil e, ao encontrar Josué, após sua mãe ser atropelada, ambos embarcam na tentativa de encontrar o pai do menino que ele nunca conheceu, no interior do Nordeste.

“O Central do Brasil virou uma chavinha na minha cabeça e eu pensei, ‘eu preciso fazer isso’, esse tipo de arte que é o cinema, com essa música boa tocando, com essas interpretações, com esse cenário. Eu queria unir tudo que eu gostava da música, da dança, das artes cênicas e das artes plásticas tudo ali em um só lugar, então quando eu percebi que o cinema me possibilitava isso, falei ‘eu quero ser diretor’, eu quero escrever, ser roteirista e contar minhas histórias”. 

No ano de 2015, Sagui deu vida ao seu primeiro trabalho no audiovisual com o documentário “As Memórias de um Quilombo Vivo” em que atua  como roteirista, produtor e diretor. “As Memórias de um Quilombo vivo era uma história muito visceral e eu queria contar aquela história e ao mesmo tempo eu estava experimentando, em mim, o cinema.  Pensava, como fazer isso? Uma história tão boa e eu iniciando no cinema, pensava que talvez a história não fosse para mim, mas aí eu fui encorajado pela própria população do local que falaram que tinha que ser eu, pois  já os conhecia, para a gravar e contar as suas história”, conta.

Capa do documentário As Memórias de um Quilombo Vivo Foto: Arquivo Pessoal/Rogerio Sagui

O documentário As Memórias de um Quilombo Vivo foi lançado no ano de 2019 e traz histórias sobre a Comunidade Remanescente Quilombola da Lagoa do João, localizada no município de Poções. Por meio das lembranças, o documentário mostra as características, os valores culturais, emocionais e religiosos que guiam a narrativa, e assim, as  histórias são contadas através de depoimentos dos próprios moradores. 

O documentário As Memórias de um Quilombo Vivo percorreu e foi destaque na Bahia. Ainda em 2019 o documentário foi exposto na abertura da Feira Literária de Mucugê- Fligê. As Memórias de um Quilombo Vivo também esteve presente na Mostra  de Cinema Negro da Universidade Federal da Bahia- UFBA, campus de Salvador, e na Mostra de Cinema Conquista. “Participar da Fligê foi motivo de muito orgulho para mim, principalmente porque naquele ano Castro Alves foi o homenageado”, diz sagui.

No entanto, esse percurso no cinema independente, não foi fácil e vários obstáculos foram encontrados. “Primeiro que nós íamos partir para fazer o cinema em Poções e não tínhamos o material, não tínhamos uma câmera boa, não tínhamos nenhum equipamento de som que são equipamentos básicos para produzir um filme ou um curta-metragem”, conta. Para Rogério Sagui,  apesar de a cidade de Poções ser berço de cineastas renomados como Geraldo Sarno, Fernando Belens e Tuna Espinheira, a cidade nunca pensou cinema.

“Eu percebi que a cultura da nossa cidade nunca pensou o audiovisual. Tudo que tinha em promoção de eventos falava muito de outras culturas, mas nunca pensou se o jovem desta cidade quer dirigir ou quer fazer um curta-metragem, por exemplo. Meu primeiro contato com o audiovisual em Poções, foi no Cinema em Transe, que Gil e outros colegas realizavam, aconteciam na Câmara de Vereadores, uma galera se reunia exibia filmes e falavam sobre eles trazendo resenhas e comentário”. 

Rogério Sagui destaca que a cidade de Poções nunca teve uma política pública que incentiva a produção audiovisual e, por isso, encontrava resistências quando em busca patrocínios para as produções. “Eu falava o que eu ia fazer e ouvia que isso não ia dar certo ou que ninguém fazia isso aqui em Poções, então foi difícil porque não falávamos disso, não produzíamos audiovisual. Eu me senti desbravando uma terra que eu sabia que já tinha sido desbravada, mas desbravava de uma outra forma, talvez de fora para dentro. Os cineastas desbravaram lá fora e são os cineastas de dentro da cidade, já eu queria desbravar de uma forma que eu não percebi que estava desbravando, de dentro da cidade para fora, que foi o que aconteceu comigo com a minha carreira” explica o diretor.

Rogério Sagui tem como principais referências cinematográficas os diretores e cineastas Geraldo Sarno e Walter Salles. Sagui bebe da fonte desses diretores, e é dessas fontes de um cinema poético que fala sobre o Brasil, que Sagui se inspira para as suas produções, como em Rosa Tirana.

Rosa Tirana é um longa-metragem que foi escrito, produzido e dirigido por Rogério Sagui e conta a história de Rosa, uma menina que vive no sertão com a sua mãe e o seu avô, mas que em decorrência da forte seca que assola a região, ela decide abandonar a família e partir numa viagem solitária, até encontrar Nossa Senhora Imaculada e clamar por ajuda. O filme é estrelado por Kiara Rocha e conta com a participação do ator José Dumont. Além disso, a trilha sonora original do filme, composta por Sagui, foi gravada pela consagrada cantora Elba Ramalho.

Bastidores de gravação do filme Rosa Tirana Fotos: Arquivo Pessoal/ Rogério Sagui

Sagui conta que a obra foi produzida em meio às dificuldades que o cinema independente enfrenta e teve que recorrer a rifas para custear os gastos. O filme ganhou visibilidade e indicações a prêmios em festivais de cinema nacionais e internacionais.

“O Rosa Tirana foi uma acontecimento que mudou toda minha história, e veio para coroar todo o meu trabalho e minha carreira mudou totalmente.  Mudou não só a proporção, mas a minha visão de mundo também mudou, quando eu vi o Rosa Tirana circulando em meio a filmes da Europa, filmes que eu acho belíssimos, e o Rosa competindo ali, sempre nesses mesmos festivais e até ganhando prêmios em outras categorias junto com esses filmes, vi que a gente pode pensar realmente a nossa cultura de dentro para fora”.

O diretor destaca a importância da arte local que cative e valorize a comunidade, a cidade. “Acho que o Rosa Tirana é um grande exemplo disso, foi um filme pensado para ser feito em Poções, com 90% do elenco de Poções e com a comunidade envolvida. Eu não abri mão de gravar nas regiões bem conhecidas da cidade e das zonas rurais”.  

Em Rosa Tirana, assim como em outras obras, o diretor Rogério Sagui revela que busca despertar os sentimentos profundos nas pessoas, principalmente o sentimento de saudade. “É o que mais me instiga a escrever e narrar. Nós temos saudade de coisas que  não sabemos explicar. Eu sinto isso o tempo inteiro e quando eu vou escrever eu quero colocar isso lá e quero que minha direção tenha também. No Rosa Tirana, o sentimento da saudade está em várias coisas. Quando olhamos para a fotografia do Rosa, das paisagens, sentimos saudade de alguma coisa, ou daquela estrada que a gente passou, ou de uma memória da infância, uma memória de um tio de uma tia que está embutida ali”. 

Diretor de Mar do Sertão

Na última segunda-feira, 22, a nova novela das 18 horas da Rede Globo, Mar do Sertão, apresentou em seus créditos o nome de Rogério Sagui. O convite para fazer parte do quadro de diretores da emissora veio após o filme Rosa Tirana ser exibido no Festival de Tiradentes e assistido por um produtor da Globo. Sagui conta que dois dias após o produtor ter assistido ao seu filme entrou em contato pelo Instagram falando que trabalhava na Globo e era o responsável por recrutar novos talentos e o convidou para uma conversa.

Rogério confessa que não acreditou no início. “Eu não acreditei, como eu vou acreditar? Eu estou lá em Poções, uma cidade que eu acho que as pessoas nem me conhecem direito, e de repente alguém te manda um texto diz que assistiu o meu filme e que amou, ficou apaixonado pelo meu filme e tem interesse que você vai para Globo, foi uma coisa assim que eu não levei muito em consideração”. 

No entanto, as mensagens continuaram chegando no direct de Rogério Sagui. Eles marcaram uma conversa online onde Sagui falou sobre sua história e trajetória e também sobre suas produções. 

Mesmo depois dessa conversa, Sagui continuou não acreditando que pudesse ser contratado para o quadro de diretores da emissora. “Eu pensei, eu vou conversar com ele, vou falar tudo, mas  depois ele vai desaparecer e não vai falar mais comigo, no entanto ele continuou me mandando e-mail me falando que eu tava no radar da Rede Globo e que assim que tivesse algum produto com a minha cara, com meu jeito de direção, que eles iriam levar meu nome para a direção artística”, lembra.

No mês de março deste ano, o diretor global entrou em contato com Sagui novamente. Desta vez, falando da possibilidade concreta de um trabalho. O trabalho seria de diretor em uma novela que falaria sobre o sertão. O próximo passo de Sagui foi uma reunião com o diretor artístico da novela e dois dias depois uma produtora da emissora entrou em contato com Sagui avisando que ele tinha sido escolhido como um dos diretores da novela das 18 horas.

“Foi tudo muito rápido, depois de duas semanas eu tive que vir para o Rio de Janeiro, arrumei tudo em Poções, estou aqui e a novela já estreou” 

A vida no Rio de Janeiro como um diretor global está cheia de novidades para a carreira do diretor. “Aqui na novela não tem nenhum diretor do interior do Nordeste inteiro, acho que do interior do país na verdade. Quase todos os diretores que eu já ouvi falar, ou que eu conheci aqui, saiu de alguma capital, então eu sou  um dos poucos diretores que saiu do interior, é tudo muito novo”. 

Captura de tela da abertura da novela Mar do Sertão

As experiências como diretor de novela também são novidades no currículo de Rogério Sagui, que sempre atuou no cinema independente. “Aqui é tudo muito diferente, até os equipamentos. Tem coisas que eu nunca vi na minha vida. Cidade cenográfica que eu nunca fui nem sabia como é que gravava em uma cidade cenográfica. Estúdio! Como gravar dentro de um estúdio? Eu não sabia que dimensão tinha um estúdio de uma novela e é uma coisa absolutamente grande,  então eu tive que me adaptar”, revela.

Futuro 

Antes de ser contratado pela Globo, Rogério Sagui estava trabalhando em outras produções independentes, entre elas, o novo filme, um curta chamado Sete Léguas Para o Fim da Estrada. “Eu já iria gravá-lo no dia 15 de abril, mas em abril já estava aqui. Eu queria muito contar essa história, tive que engavetar  por um bem maior,  mas pretendo realizá-lo ainda, assim como vários outros projetos que tenho engavetados de longas de curtas”.

Sagui diz que pretende conciliar as produções da Rede Globo com a carreira de produtor, escritor e diretor de cinema.

Fotos: Arquivo Pessoal/ Rogério Sagui

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