O som sustentável da Banda Mungunzenza – 15 anos fazendo música com instrumentos recicláveis

Por Leila Costa
Publicado em 24/06/2023

A cidade de Poções é um berço cultural do sudoeste baiano nas artes plásticas, na dança, no teatro, no cinema e na música, artistas se destacam e levam o nome da cidade para outros lugares do país. A criatividade do poçõense para as artes está por todo lugar. E foi graças a essa criatividade que nasceu Mungunzenza, um projeto musical que inova na forma de fazer som.

A Mungunzenza é uma banda de percussão que tem o início de suas atividades no ano de 2008, no Bela Vista, quando um grupo de amigos do bairro começaram a se reunir aos sábados à tarde para fazer música e começaram tocando percussão com o característico pagodão baiano. 

João Dias, que está na banda desde sua fundação e é o atual instrutor, conta que a formação inicial do projeto teve a participação do cineasta Rogério Sagui, Tim Borges e outros amigos, eles não tinham a pretensão de tornar essa “brincadeira de amigos” em um projeto. No entanto, por estarem um bairro periférico que tem o anseio de mostrar suas culturas, logo que os jovens das ruas vizinhas foram ouvindo o som que eles faziam, também quiseram participar. “E aí começou chegando um, chegando dois, três. As pessoas queriam participar, só que nós não tínhamos instrumentos, só Rogério Sagui que tinha um surdo e um repilique, os demais tocavam com baldes e latas de tintas”. 

Além do som característico, a Banda Mungunzenza se destaca pelo uso de instrumentos musicais recicláveis. O uso desses instrumentos começou justamente pela falta de um capital financeiro para comprar instrumentos profissionais para a demanda de pessoas que queriam participar dos ensaios. “Os baldes de óleo foram os primeiros que nós conseguimos, pois eram mais fáceis de conseguir de graça nos postos de gasolina, nós pedíamos aos caminhoneiros que iam abastecer e deixavam os baldes lá e pegávamos com os frentistas, assim foi o início da banda de lata Mugunzenza”, conta João Dias.

No início da formação, a banda ensaiava na casa de um amigo, irmão de um dos componentes da banda. Com a chegada constante de novas pessoas, o espaço ficou pequeno e a banda teve que ir ensaiar na rua. “Começamos a ir para a rua  quando não deu para ensaiar mais na casa, então começamos  ensaiar na frente da casa, aí a frente da casa não deu, começou a ficar pequeno pois estava juntando muita gente. Foi quando decidimos formar a banda,  fizemos uma mega estrutura de divulgação, saímos pedindo nas casas os baldes, latas de tinta e o pessoal foi doando. A partir daí, começamos a ensaiar na frente da quadra do bairro Bela Vista”, narra.

No ano de 2009, a banda tocou pela primeira vez no desfile do 7 de Setembro. Foi nessa época que a banda recebeu o nome de Mungunzenza. “A formação do nome Mungunzenza vem da junção do mungunzá, comida típica do período junino, e uma referência a Muzenza que é o grupo afro de Salvador, fizemos a junção e saiu o nome Mungunzenza”, revela João Dias.

Apresentação da Banda Mungunzenza

A Mungunzenza também atua enquanto projeto social que colabora para a transformação da vida de meninos e meninas que passam pela banda e a inserção desses jovens no mundo da música. Uma dessas pessoas foi Igor Nascimento, que começou a tocar na banda no ano de 2009, quando tinha 13 anos. Atualmente Igor atua como instrutor e conta que foi por meio da banda que ele teve acesso a arte. 

“A banda tem uma importância muito grande na  minha vida, porque foi através dela que eu comecei a conhecer um pouco mais da arte, a arte como tudo não só a banda, mas também foi através dela que eu fui ensinado a viver mais a cultura, não só aqui, mas de outras cidades. Foi com a banda que eu comecei a entrar nesse mundo da arte, porque antes dela eu não tinha muito a ideia do que era a cultura, e através dela eu fui conhecendo como é, como funciona e fui gostando”.

Além da preocupação com a sustentabilidade, a banda também procura levar para os palcos temáticas importantes a serem discutidas em nossa sociedade, e os participantes do projeto recebem orientações sobre a importância daquilo que fazem. “É  parar,  fazer um bate-papo e explicar que os nossos baldes, os nossos instrumentos musicais têm uma mensagem. Nós sempre trabalhamos com temáticas que são um calo para a sociedade, mesmo com todas as dificuldades, mesmo que algumas pessoas não gostem muito, nós estamos falando das minorias”, ressalta João Dias.

Para Igor Nascimento, tocar em uma banda que utiliza material reciclável é motivo de honra. “Eu tenho muito orgulho da banda, em relação a isso de  transformar o lixo em instrumentos. É um papel muito importante, além de transmitir o som, nós ainda ajudamos o meio ambiente com a reciclagem”. 

O projeto não tem fins lucrativos e depende de doações para sua manutenção, principalmente da doação de baldes e latas que são usadas como instrumentos musicais. Segundo João Dias, a Mungunzenza tem uma parceria com coletores de materiais recicláveis do município. “Nós compramos com eles com um preço mais acessível, aí depois quando não servir mais como instrumento, nós devolvemos para eles. De certa forma, ajuda as duas entidades, pois o que tentamos fazer é tirar da natureza aquilo que as pessoas descartam lá, jogam de qualquer maneira e que não serve mais para elas e aqui pode salvar uma vida”.  

O projeto não possui uma sede própria, os ensaios ainda acontecem na rua e os instrumentos são guardados em uma casa cedida por uma associação. “Nós, sendo um projeto totalmente independente, temos apoio é óbvio, todos  os anos temos um apoio do poder público para o 7 de Setembro, mas o projeto não é só o 7 de Setembro, é durante o ano todo”, diz João Dias. 

O instrutor revela que o objetivo das pessoas que estão à frente da banda é levar o projeto para outros bairros da cidade, pois muitos jovens saem desses bairros  distantes para ir ensaiar no Bela Vista. “Gostaríamos de ter a oportunidade, eu já apresentei o projeto em outras gestões, mas é difícil, de colocar um núcleo da Mungunzenza em outros bairros da cidade. Hoje, nós temos no projeto a formação de pessoas que podem trabalhar, dar aula tranquilamente, porque são pessoas que cresceram na banda e vão fazer com profissionalismo”, revela.

Uma maneira da banda arrecadar fundos é com as apresentações, tanto públicas quanto privadas. De acordo com o instrutor, por não terem vínculos político-partidários, o único tipo de apresentação que eles não fazem são ligados a partidos políticos. “Para conseguirmos os instrumentos, nós, nos dias de apresentação de algum projeto, cobramos por apresentações. Não tem como fazermos uma apresentação em que perdemos 3, 4, 5 instrumentos e não cobrarmos nem que seja, que eu não gosto desse termo de cachê simbólico, um valor simbólico, mas a gente tem que cobrar”.

Não existe um dado preciso de quantas pessoas já passaram pelo projeto, de acordo com João Dias, atualmente a banda conta com doze pessoas fixas que fazem as apresentações de palco, com o apoio de teclado e guitarra de amigos que acompanham a banda, mas já saíram em apresentações do 7 de Setembro com até 80 pessoas.

Os ensaios para o desfile do 7 de setembro deste ano começarão no mês de julho, após o fim dos festejos juninos, porque alguns dos integrantes da banda também são componentes das quadrilhas juninas. Os ensaios ocorrerão no bairro Bela Vista, em frente ao cemitério, a partir das 19 horas. Interessados em fazer parte da banda ou ter a banda em uma apresentação de evento, podem procurar João Dias, ou entrar em contato por meio das redes sociais do projeto, Banda Mungunzenza, no Facebook e Instagram.

Fotos: EuQuixote/ arquivos pessoal

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