As comemorações do Novembro Negro já fazem parte da cultura Poçõense. A cidade que decreta feriado no dia 20 de novembro, data dedicada ao Dia da Consciência Negra, neste ano tem uma programação que se estende por todo o mês com plenárias, mesas temáticas, oficinas, concurso Beleza Negra 2022 e a tradicional Marcha do Dendê.
A programação teve início com o Movimento Consciência Negra Todo o Dia que, ao longo de todo o mês de novembro, vem realizando plenárias em comunidades remanescentes quilombolas, em Poções e outras cidades da Bahia. No dia 6 e 13 de novembro, ocorreram a primeira e a segunda plenária no Quilombo da Barrinha e Quilombo Mumbuca respectivamente, comunidades remanescentes de Bom Jesus da Lapa e de Bom Jesus da Serra. E no dia 27 será a vez da comunidade remanescente da Lagoa do João, em Poções.
Nas plenárias, os moradores e visitantes podem acompanhar apresentações culturais e discussões importantes sobre temáticas ligadas à população negra e à comunidade. A estudante e integrante do Movimento Consciência Negra Todo o Dia, Aline Nascimento, que faz uma pesquisa com uma comunidade remanescente quilombola para o seu Trabalho de Conclusão de Curso, destaca como as programações das planárias são importantes para as comunidades. “As plenárias colocam essas pessoas na frente, para elas verem os problemas, compartilhar as diversas opiniões e assim fortalecer as comunidades”.
O setor cultural do município juntamente com a Associação do Culto Afro Brasileiro de Poções-SOCAB e órgãos municipais também organizam uma série de atividades para o mês. A programação terá início na sexta-feira, dia 18, às 17h, com apresentação de capoeira do grupo Energia da Terra. Às 18h, terá apresentação de dança afro com o grupo Muck, e às 18:30h acontece a mesa temática I, com o tema “Saúde da Mulher Negra e Violência Doméstica” com a participação das psicólogas Naiara Novaes, Geovana Ribeiro e da estudante de psicologia Romana Santos.
No sábado, 19, acontecem as oficinas, às 10h o grupo Euquixote realiza a Oficina de Contação de Histórias, destinada ao público infantil a partir dos 5 anos. Às 14h acontece a Oficina de Teatro com Adalto Rocha, voltada para pessoas a partir de 15 anos. Já às 16h, será a vez da Oficina de Dança Afro Contemporânea com o professor Matheus Godeiro.
Ainda no sábado, será realizado o desfile do Concurso Beleza Negra 2022, às 19h. Nesta edição, o concurso tem quatro categorias: infantil, com idade entre cinco e 10 anos; infanto Juvenil, com idade mínima de 11 e máxima de 18 anos; adulto de 18 e até 50 anos e sênior, com idade mínima de 51 anos, completos até a data do concurso. De acordo com o regulamento, poderão participar do concurso pessoas afrodescendentes ou negras ou que de acordo com a designação federal se autodeclaram-se negras, pardas, pretas, mestiças ou que se considerem afrodescendentes, sem distinção de gênero, residentes em Poções, na Sede ou na Zona Rural.
As inscrições estão abertas até hoje, 17 de novembro, e poderão ser feitas na Sala da Cultura, localizada no Anfiteatro da Praça Da Juventude, até 13h, ou por meio do link de inscrição, na internet até o fim do dia. Toda programação da sexta e do sábado acontecerá no clube recreativo de Poções, nesses dias, os visitantes também poderão contemplar as exposições artesanais poçõenses do Grupo Interart.
Para Aline Nascimento, o desfile da beleza negra é importante para o enaltecimento da beleza do povo negro e para a luta contra os padrões impostos. “Trazer esse concurso, esse desfile para o público é fundamental porque nós, principalmente as mulheres negras, temos a questão do cabelo, a cor da pele… Isso vem sendo desconstruído, o que é muito bom, mas é necessário que cada vez tenhamos eventos que enalteça a beleza do jeito que nós somos, com cabelo cacheado, crespo, com a cor da pele. Mostrar que não somos pessoas inferiores e demonstrar que não é só a pessoa branca dos olhos claros e cabelo liso que é o padrão de beleza”.
No entanto, a estudante diz que é necessário cuidados ao realizar um concurso de beleza, principalmente quando envolve o público infantil. Para ela, é importante deixar claro que todos os participantes são vencedores independente da colocação. “Infelizmente trazer essas colocações quando se tem criança é bem mais complicado de lidar, pois você tem primeiro, segundo, terceiro lugar e aquele que não ficou em nenhum desses acaba se sentindo inferior, seria bom ter uma forma diferente de desfile que não precisasse colocação”, destaca.
Marcha do Dendê e lavagem da Praça do Divino
No domingo, 20, a Associação do Culto Afro Brasileiro de Poções-SOCAB, juntamente com Movimento Consciência Todo o Dia, realiza a tradicional Marcha Dendê 2022, com encontros de representantes das Religiões de Matriz Africana para a Lavagem da Praça do Divino em Poções. A concentração para a Marcha será às 16h no Ginásio de Esporte Ângelo Magalhães em direção a Praça do Divino para a lavagem e apresentação musical da Banda Mugunzenza e convidados.
A Marcha do Dendê teve início na cidade no ano de 2013, e teve como precursor o ator e agente cultural Leonel Nunes, que idealizou o projeto com o intuito de dar visibilidade à população negra de Poções. “Anos atrás nós estávamos pensando em como superar problemas que a população negra enfrenta, de estar sempre escondido, então resolvemos criar a Marcha do Dendê como um símbolo de resistência da população Negra”, conta Leonel Nunes.
Para Aline Nascimento, é um espaço de acolhimento, liberdade e combate a toda forma de descriminação e preconceitos. “A Marcha do Dendê além de ser uma um evento que reúne as pessoas de religiões afro-brasileiras, ela é relevante pois a pessoa tem oportunidade de demonstrar publicamente a sua fé e a sua cultura religiosa e também quebrar o preconceito. Quando reunimos toda essa galera, nós nos fortalecemos para poder combater o preconceito e desinformação, então além de ser um crescimento pessoal é um crescimento coletivo”.
Dia da Consciência Negra: comemorações e resistência
O Dia 20 de Novembro é dedicado ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, uma data de celebração e conscientização da luta que a população negra enfrenta no Brasil. A data foi instaurada em 2013 por meio da Lei Nº 12.519 sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Em Poções, a data foi instituída como feriado municipal no ano de 2013 por meio da Lei nº 1.021/2013.
“Durante muitos anos a população negra sofreu com a escravidão e após a abolição da escravatura continuou sofrendo, muitas pessoas acharam que após a abolição as pessoas escravizadas seria livres, mas não tivemos políticas públicas que pudessem mudar essa realidade. Então, essa data é importante pois serve para poder darmos mais enfoque às faltas, aos problemas e aos conflitos que surgem a cada dia e também de trazer uma memória o dia de Zumbi”, destaca Aline Nascimento.
Para fechar as atividades, no dia 25 de novembro, os estudantes poçõenses poderão prestigiar a apresentação da peça Dandara, com o grupo de Teatro Karoá, com início às 14:30h. Já às 18:30 terá a exibição do documentário “As Memórias de Um Quilombo Vivo” do diretor Rogério Sagui. Essas atividades acontecerão na Filarmônica 26 de Julho.
As comemorações do mês da Consciência Negra são símbolo de resistência e luta. Elas também trazem a importância da ancestralidade e do compartilhamento de uma cultura plural da população negra. É também uma data para poder lembrar a sociedade dos problemas que esta população ainda enfrenta.
Emanuelle Carmezina, uma das organizadoras dos eventos do mês, por parte do poder público, destaca o quão necessária é a promoção dessas atividades na luta diária de combate ao racismo.
“Ainda que algumas pessoas neguem, não podemos esconder os fatos de que ainda é um ato de resistência continuarmos falando, fazendo ações como essas em prol da comunidade negra, porque o preconceito, o racismo ainda atinge essa população de uma forma muito violenta todos os dias e as comemorações do Novembro Negro em nosso município vem como essa forma de reafirmação. Na verdade, quem precisa dessa consciência não somos nós pessoas negras, porque sabemos de todos os percalços que enfrentamos. O objetivo é a comunicação, o fortalecimento entre os nossos, que consigamos estabelecer formas de nos fortalecer, nos aquilombar e continuar resistindo, criando mecanismos que nos defendam, que nos leve à frente para que possamos combater e que algum dia consigamos acabar, sanar com os preconceitos, com as violências que derivam do racismo dessa estrutura preconceituosa que foi formada a nossa sociedade.”
Para Aline Nascimento, essas comemorações ressaltam a importância de enaltecer e dar voz ao povo. “Aqueles que ficam mais acanhados e não tem muito conhecimento e infelizmente ficam sujeitos à sociedade, se identificam e assim não ficam fora da história. Podem se engajar nesses movimentos para podermos nos fortalecer e combater essa sociedade machista, homofóbica é racista”.
Fotos: Arquivo Pessoal
