Quadrilhas juninas: a tradição que anima o São João em Poções e região 

Por Nataly Leoni
Publicado em 21/06/2023

Uma das maiores e mais tradicionais festas do Brasil, em especial do nordeste do país, é o São João. Com a chegada do mês de junho, as tradições típicas dessa época do ano tomam conta dos espaços comuns, dos bairros e das ruas das cidades, que esperam todos anos pela alegria da festa. A quadrilha junina é uma das tradições que não podem faltar nos festejos juninos, com estilo de dança coletiva tipicamente caipira, as quadrilhas trazem a essência da festa junina no colorido das roupas, na alegria das músicas e na energia de seus integrantes.   

Em Poções, essa tradição persiste e faz parte da programação junina. As quadrilhas são formadas nos bairros, nas escolas, no trabalho e entre famílias, é algo que já está enraizado na cultura da cidade, assim como em todo nordeste. Durante o ano, e em especial no mês de junho, é possível ver quadrilhas de todos os tipos ensaiando para suas apresentações, principalmente as quadrilhas profissionais que viajam para competir em concursos pela região. 

Uma das quadrilhas que participa de competições pelo estado é a Raízes do Sertão, que segundo o quadrilheiro e atual presidente da quadrilha, Marcos Alves de Oliveira, conhecido como Marcos Zinha, a quadrilha teve início em 2012 quando ganharam também seu primeiro concurso em Poções. Marcos Zinha está liderando a Raízes do Sertão desde 2017, mas trabalha com isso há muito mais tempo. No passado, se dedicava as quadrilhas de seu próprio bairro, que também competia em concursos no município. De acordo com o quadrilheiro, hoje, a Raízes do Sertão conta com 36 integrantes divididos em 18 casais, que somando a equipe de apoio, tem um total de cerca de 50 pessoas.   

Quadrilha Seguidores da Fé em Ibicuí, 2023

Este ano, a preparação da quadrilha está a todo vapor para o início da temporada de concursos e apresentações da Raízes do Sertão. A quadrilha estreou nos concursos deste ano, no dia 17 de junho, na cidade de Ibicuí, lar de um dos maiores festejos de São João do sudoeste da Bahia. De acordo com Marcos Zinha, o tema da Raízes do Sertão deste ano é “Forrobodó: a bagunça que deu certo”, e o enredo pretende contar um pouco da história do forró. “Muita gente não sabe como surgiu, pensam que o forró sempre foi um ritmo, mas na verdade não era um ritmo, era um local onde as pessoas se divertiam e dançavam. Na época, existia muito preconceito, principalmente da elite da sociedade. Só depois de enfrentar muitas barreiras que o forró passou a ser um ritmo”, conta.

Para Jamile da Penha Araújo, que compõe o corpo de dançarinos da Raízes do Sertão a seis anos, a experiência de estar todos os anos levando o nome de Poções para outras cidades da região com a quadrilha é única. “Só quem é quadrilheiro ou quadrilheira sabe a emoção e sensação. É um misto de amor e ódio mas sempre para o lado positivo”, afirma. 

Além da Raízes do Sertão, outra quadrilha que leva o nome da cidade para a região é a Seguidores da Fé. Segundo o atual presidente e integrante da quadrilha desde 2004, Tim Borges, a quadrilha teve início com um grupo de jovens da igreja de Guadalupe, no Bairro Bela Vista. Em 1999, surgiu um convite para juntar-se à quadrilha da igreja de Nossa senhora da Boa Nova e se apresentarem em um evento da igreja, chamado Forrofiá. De acordo com Tim Borges, a quadrilha seguiu participando por conta própria, e depois de um tempo começaram a se apresentar também em concursos municipais. “Nós fomos participando e vendo como era feito, aprendendo, se aprimorando, vendo o que poderia colocar teatro, que poderia ter uma temática, e foi desenvolvendo esse processo todo. Em 2013, participamos do nosso primeiro regional em Vitória da Conquista”, conta.  

Este ano, a Seguidores da Fé se apresentará com o tema “Amores de um povo, Brasil coração sertanejo”, que trará um enfoque para a história da música sertaneja que, “ao longo de 100 anos, traduziu e traduz a alma e a essência do povo brasileiro em uma melodia repleta de sentimentos”. A junina vem com um repertório de músicas sertanejas marcantes e também personagens históricos de contos populares tipicamente sertanejos. Ao todo, 30 dançarinos e cerca de 15 pessoas na comissão da quadrilha levarão esse tema às ruas este ano. A primeira parada foi na cidade de Ibicuí, onde conquistaram o terceiro lugar no festival estadual de quadrilhas, que aconteceu nos dias 15 e 16 de junho.  

Quadrilha Raízes do Sertão, 2023

A tradição das quadrilhas também toma conta  das escolas de Poções. Hugo Santana, de 17 anos, está na organização de uma das quadrilhas que se apresentarão no Colégio Estadual Isaías Alves (CEIA). Mas ele também já participou de concursos dançando pela Raízes do Sertão, em 2018, com o tema “Sete Pecados Capitais”. Agora, como coreógrafo de uma das quadrilhas do CEIA, Hugo afirma que está levando um pouco do que aprendeu na Raízes do Sertão para enriquecer a quadrilha. “Quando eu entrei, falei que ia ajudar o pessoal porque eu já tenho uma noção básica de quadrilha, já participei de uma quadrilha profissional, então pelo que eu sei, pelo que eu tenho em mente, eu vou ajudar o pessoal daqui que estão acostumados com quadrilhas mais tradicionais”, declara.

O tema da quadrilha coreografada por Hugo objetiva falar sobre a importância da inclusão de pessoas com deficiências. “Eu acho que as pessoas que têm qualquer tipo de deficiência – tem sim que ser incluídas. Acredito que essas pessoas precisam ser incluídas porque elas se sentem muito sós quando são excluídas de coisas da escola”. Pensando na inclusão, a convidada para ser a rainha da quadrilha é portadora da síndrome de Turner e, neste ano, ela está participando ativamente de apresentações das quadrilhas no CEIA.

Como se mantêm as quadrilhas profissionais?  

Além do amor pelo que fazem, quadrilhas como a Seguidores da Fé e a Raízes do Sertão necessitam de uma série de fatores para passar por todas as etapas de organização até chegarem a época das apresentações. Segundo Marcos Zinha, a principal dificuldade é a financeira, pois as apresentações exigem gastos com figurinos, acessórios, sapatos, tudo isso somado à confecção de cenários e transporte para outras cidades. Para Tim Borges, se adequar ao nível de outras quadrilhas hoje em dia está cada vez mais difícil, justamente pela questão financeira. “As quadrilhas hoje em dia ganharam proporções bem maiores, então você tem que estar se adequando, se aperfeiçoando para poder competir no nível de todas”, afirma.  

As comissões organizadoras mantêm contato com o poder público para solicitar recursos, através de ofícios, reuniões e demandas, porém, levando em conta o porte das quadrilhas, o apoio oferecido ainda não é suficiente. “A prefeitura sempre entra com parcerias, com o que pode, mas o custo é muito alto. Não é o apoio necessário, isso é fato, não só nós como as outras quadrilhas deveriam ter uma atenção maior”, afirma Marcos Zinha. Tim Borges também concorda que há  o apoio, mas não é o suficiente para a manutenção da quadrilha que está com um custo cada vez mais alto.

Além da questão financeira, há ainda a perda do interesse das pessoas em participar das quadrilhas e o enfraquecimento da cultura. “Conseguir pessoas novas para dançar é uma dificuldade imensa, atualmente é difícil achar pessoas que tenham interesse e aptidão por essa cultura”, conta Tim. Para Marcos, a falta de valorização dessa cultura também se torna uma dificuldade. “De uns tempos para cá, os jovens estão perdendo o interesse em participar, e não é só em questão da quadrilha, mas da questão cultural como o Terno de Reis, a Capoeira, coisas que são tradições nordestinas e do país. Acho que a informação não está chegando como deveria para os jovens para que eles tenham esse interesse e entendam a grandeza do que é a cultura do nosso país”, diz. 

Uma vertente importante no cenário cultural da cidade 

Apesar de tudo, para as pessoas que estão participando ativamente de tradições culturais como as quadrilhas, a única opção é continuar a cada ano fazendo o melhor e levando sua arte para a população, em um esforço para não deixar que seja esquecida. Para Marcos Zinha, a cultura tem uma ação transformadora. “Tem o poder de transformar as pessoas, os lugares, ela mexe com o cidadão e com o social. A cultura tem toda essa importância que, infelizmente, muitas pessoas não observam e não entendem”, conta. Para Jamile da Penha, a importância cultural das quadrilhas está na representatividade e sua capacidade de desconstrução de padrões. “Quebrando paradigmas e todos os tipos de preconceitos, principalmente a gordofobia. O amor pelo universo junino é maior que qualquer preconceito”, diz.

Para Tim Borges, a arte e a cultura são necessidades humanas. “Eu diria que são alimento para a alma, a arte e a cultura estão presentes em tudo que fazemos, desde a culinária, a alimentação, as manifestações populares, a escrita, os desenhos, em tudo. E as juninas, essas culturas populares mais raiz, não são diferentes disso, precisam ser mantidas e alimentadas para gerar frutos”, afirma. 

Além disso, é fato que o São João em si, todos os anos traz muita alegria para a população e se mostra uma manifestação cultural de extrema importância para o povo. Para Hugo Santana, a essência do São João deve ser mantida. “Mesmo que mude o ano, a roupa quadriculada nunca muda, o estilo de música nunca muda, eu acho que isso é muito bom.  Os passos de uma quadrilha todo ano são os mesmos, mas todo ano tem um significado, tem uma importância”, diz.

Os quadrilheiros concordam que para manter viva essa cultura é preciso que haja mais apoio, que as pessoas passem a conhecer mais sobre e viver essa manifestação tão rica da nossa região.  Para Marcos Zinha, poderia ser feita uma parceria entre as prefeituras das cidades, “para que nós pudéssemos levar essa cultura raiz para dentro das escolas, não só trabalhar durante o período junino, mas trabalhar durante um ano explicando, não só sobre a dança, mas a importância de tudo que transformou, mostrando o que é para o povo a questão da cultura popular”, declara.

Assim como Marcos Zinha, Tim Borges também concorda que para que seja mais valorizada, a cultura precisa também ter mais divulgação e apoio. “Eu acho que a manutenção das juninas, assim como do Reis e qualquer outra cultura, para se manter precisa de uma visão mais sensível por parte da gestão”. Além disso, acredita que poderia haver uma ampliação da atuação desses artistas na cidade e região. “Nós temos duas quadrilhas principais na cidade e algumas outras que se manifestam no período junino. Eu acho que deveríamos aproveitar esse material humano que ainda temos para  difundir essa cultura nas escolas, nas comunidades de bairro, nas comunidades rurais”, diz. Segundo ele, para que haja uma identificação mais aprofundada a convivência com a cultura precisa ser constante, precisa-se viver a cultura e se ver representado nela. 

Esse ano,  o concurso de quadrilhas, com as premiações, que acontece em Poções, de acordo com o coordenador de cultura, Gildásio Júnior,  acontecerá no mês julho, ainda sem data marcada. O concurso é uma oportunidade para quadrilhas como a Raízes do Sertão e Seguidores da Fé poderem mostrar para a população poçoense tudo que vem preparando durante todo esse tempo. “A gente tem que apresentar para o nosso povo, para o público em geral, para nossos amigos e familiares”, diz Marcos Zinha. Segundo ele, se apresentar em Poções é um dos pontos mais importantes para as quadrilhas, para mostrar à população como a cidade está sendo representada na região.

Fotos: Arquivos pessoal/ reprodução

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