Quanto vale a sua opinião na luta pelos direitos das mulheres?

Por Andressa Oliveira
Publicado em 26/07/2022

Nas últimas duas semanas o Brasil testemunhou, mais uma vez, acontecimentos que violaram os direitos das mulheres em ambientes públicos, privados e virtuais, fazendo retomar o debate sobre a segurança dos espaços e a proteção da dignidade e da integridade de mulheres e meninas.

Diante dos diversos casos noticiados pela imprensa nacional e internacional, as redes sociais dos mais diversos portais de notícias do país receberam centenas de comentários de pessoas indignadas e revoltadas com a barbárie exposta.

Porém, é preciso refletir se essa indignação é fruto de um desejo de mudança na luta pela defesa dos direitos das mulheres ou é apenas uma expressão diária de quem já se acostumou com a violência cometida sistematicamente, praticada no transporte coletivo, nas empresas, nas ruas e nos hospitais pelo país à fora, contra o corpo de meninas e mulheres que não tem nome, não tem voz, não vira notícia e passa apenas a serem representadas por uma estatística de números frios, que não provoca nenhuma reação, a não ser a indignação coletiva através das telas, que muitas vezes não se transforma em ação na prática.

Em tempos de discursos inflamados e polarizações políticas, que permitem as pessoas se sentirem pertencentes a grupos e organizações, é valido questionar, qual a importância de dar opinião nas redes sociais e o quanto ela reflete o esforço e a busca por mudança e justiça social na luta feminina?

A violência contra as mulheres no Brasil faz parte de um sistema estrutural patriarcal que foi estabelecido desde a colonização. Ter o corpo violentado e ser culpabilizada pela violência que sofre, alimenta uma engrenagem social que considera a mulher um objeto feito para servir aos outros. Essa escala em que torna as mulheres uma mercadoria à serviço da sociedade, também colocou suas almas na esteira da morte, comprometendo seu valor como ser humano e o seu lugar feminino no mundo.

As marcas da colonização inscritas no corpo das mulheres que fazem parte dos povos originários, permitiu que a sociedade brasileira construísse uma história que celebra a diversidade cultural, mas não reconhece que essas diferenças foram originadas pelo comportamento violento do colonizador, que estuprou centenas de meninas e mulheres em mais de 388 anos de escravidão, silenciando seus corpos, seus sonhos e seus desejos mais profundos de amor e liberdade.

A escritora Amélia Teles, destacou em 1999, no seu livro Breve História do Feminismo no Brasil, que “a população da Colônia era explorada em benefício do nascente capitalismo europeu. E à mulher daquele tempo coube, como ainda ocorre nos dias de hoje, uma parcela maior de exploração: primeiro, enquanto parte da população brasileira, sem qualquer poder de decisão, dominada que era pela metrópole (Portugal); segundo, porque nessa época a sociedade aqui formada organizou-se sob a forma patriarcal, isto é, era uma sociedade onde o poder, as decisões e os privilégios estavam nas mãos dos homens”. (TELES, 1999, p. 18 -19).

A herança patriarcal e colonizadora se estende até os dias atuais, revelando que, apesar de todas as revoluções, mudanças e conquistas, o espaço do corpo feminino ainda é um lugar de exercício de poder, que precisa ou ser usado à força ou controlado por alguma instância que não seja a própria mulher.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021 foram registrados 56.098 boletins de ocorrência de estupros, incluindo vulneráveis, apenas do gênero feminino. Isso significa, que no ano passado, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos, considerando, de acordo com dados do relatório, apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais.

No cenário da invisibilidade, 17 milhões de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no ano de 2021 e durante a pandemia de Covid-19, os dados mostraram que a cada 1 minuto, 8 mulheres eram agredidas fisicamente no país.

As lutas históricas revelam, que apesar dos abusos físicos, das ameaças e dos boicotes aos movimentos sociais, as mulheres resistiram ao longo dos séculos, se resignando para construir uma narrativa que permitisse o exercício pleno de sua liberdade e dos direitos ao seu próprio corpo.

A geração atual tem muito mais recurso do que as mulheres tinham em 1500, quando o Brasil passou a ser explorado. Se antes as revoluções e os protestos eram feitos nas ruas das cidades, hoje a internet facilitou o engajamento em causas sociais e a influência do meio digital, que permite as pessoas um alcance social, que talvez, nenhuma outra revolução histórica consiga alcançar.

 O problema reside na atuação desses espaços como forma de distribuição de conteúdo e no compartilhamento de notícias, que podem gerar nos usuários a sensação de mobilização, mas que na prática não produz resultados expressivos, uma vez que o Brasil é um país estruturalmente violento para as mulheres e carece de mudanças efetivas que extrapolem o discurso hegemônico das redes sociais.

O site de notícias G1, coordenado pelo Grupo Globo, avaliou em 2018, que 8 em cada 10 brasileiros consomem conteúdo no portal. Ao publicar a notícia sobre o caso estarrecedor do médico anestesista, que violentou uma paciente durante o parto, no Rio de Janeiro, no dia 11 de julho de 2022, recebeu em sua plataforma mais de 23 mil comentários. Já o jornal Estadão, um veículo de grande circulação de notícias, que tem mais de 1,8 milhões de usuários, ao publicar que o anestesista fechou o seu perfil no Instagram, contou com a interação de mais de 1000 pessoas, que aproveitaram a ocasião para afirmarem seus posicionamentos a respeito do caso.

É necessário reconhecer, que diante de crimes com enorme repercussão nacional, é preciso um olhar crítico e atento direcionado ao Estado e todas as outras instâncias públicas e privadas que se omitem quando o caso envolve violência sexual, física ou doméstica relacionada à mulheres e crianças.

Se faz necessário também validar, que embora os homens sofram agressões físicas, sexuais e verbais, as estatísticas não alcançam os números que vitimam mulheres e meninas. De acordo com os dados do Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), o Brasil, entre 83 países, foi classificado como o 5º país mais violento do mundo para uma mulher sobreviver.

Só nos últimos sete anos, o país já sancionou duas novas leis para coibir a violência contra a mulher, a Lei de Importunação Sexual (13.718/2018) e a Lei do Feminicídio (13.104/2015). Isso reflete a realidade denunciada pela escritora brasileira Heleieth Saffioti, autora do livro Gênero Patriarcado e Violência, 2015, p.85, ao afirmar que “a violência de gênero, inclusive em suas modalidades familiar e doméstica, não ocorre aleatoriamente, mas deriva de uma organização social de gênero, que privilegia o masculino”.

Porém, é também igualmente necessário questionar a responsabilidade de atuação cívica que cabe a cada um de nós, homens e mulheres na luta para promover a mudança que desejamos ver no nosso país.

Para Stephanie Ribeiro, co-autora do livro O Ódio como Política, 2018, p.105, “a naturalização da opressão se dá pela invisibilidade do debate”. Por isso, a mobilização precisa ser constante, mas ela deve se estender para além das redes virtuais, porque os lugares que ocupamos fora das telas são também espaços de poder e podemos fazer deles o lugar em que mulheres não são oprimidas, humilhadas ou desrespeitadas em suas múltiplas possibilidades de vida.

Quando todos os espaços estiverem tomados pela consciência de que somos responsáveis por aquilo que falamos e pensamos, que temos o dever social de lutarmos uns pelos os outros, de que a segurança de uma mulher, é a segurança de todos, podemos assim começar a construir um país que consiga nomear suas tragédias e tornar a história um elemento vivo para a efetivação das lutas.

Foto de Capa: Reprodução da Internet

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