“Quem sou eu? Quem é você?” – Bastidores do espetáculo teatral do Grupo Caroá

Por João Roferr
Publicado em 29/07/2023

Escrito e dirigido pelo artista Welinton Fagundes, o espetáculo “Quem sou Eu? Quem é você?” encerra seu ciclo de apresentações de 2023, na cidade de Poções, na noite deste sábado (29/07), na Filarmônica 26 de Julho, com bilheteria exclusiva para convidados já esgotada. Há mais de dez anos, o espetáculo já havia sido produzido e apresentado, voltou aos palcos em 13 de dezembro de 2021, trazendo novos rostos e linguagens.

Com trabalho de corpo assinado pelo coreógrafo João Paulo Wilarim, iluminação e sonoplastia pelo produtor Edu Novaes, além da cenografia e figurino assinados pelo saudoso Rômulo Schettini, a produção voltou aos palcos com membros do elenco original, como Eliene D’Goió, João Paulo Wilarim, Juarez Oliveira e Tim Borges. A atual configuração do espetáculo também apresentou ao público novos nomes do elenco, Monny Liconn, Vinni Keller e Welington Sena são os novos intérpretes da peça.

“Da ideia à ação”

“Quando eu penso na inspiração, vem muita coisa, várias lembranças. A inspiração do artista, é muito difícil dizer de onde vem, eu digo sempre que vem das nossas experiências de vida, tem um pouco da gente”, argumenta Weliton Fagundes ao descrever o processo de criação da obra. O roteirista afirma que levou cerca de um ano desenvolvendo as ideias e escrevendo o texto para a primeira montagem, que foi apresentada pela última vez em 2013. Segundo Welinton, tirar a ideia do papel é um processo muito difícil, principalmente na cidade de Poções à época, uma vez que o pensar diferente era e ainda é algo que encontrava diversas barreiras.

O idealizador do espetáculo conta que iniciou sua carreira em produções teatrais mais tradicionais, como os eventos ligados à Semana Santa, realizados pela igreja católica da cidade. Começou a se diferenciar como ator no Teatro Folhas e se encontrou no grupo de teatro Caroá. “O pensar diferente numa cidade como Poções é difícil, pois é uma cidade que é padrão no processo artístico, o pensamento é tradicional. Foi desafiador! Apresentamos o espetáculo pela primeira vez em Jequié, foi quando  acenderam-se as luzes para nós”, relata e acrescenta que  na ocasião, os artistas envolvidos no processo compreenderam que poderiam realizar algo maior e diferente do convencional em Poções. A contribuição de cada um foi fundamental para construir novos horizontes para o espetáculo.

Ao falar sobre o processo atual, Welinton afirma: “é incrível como após todo esse tempo, nós ainda encontramos dificuldades em coisas que já são bem simples para nós. Enquanto em cidades vizinhas, as pessoas já enxergam com outros olhos o processo do corpo, não falo do nú, mas do corpo. Poções ainda têm bastante restrição, as pessoas acham que é muito além do que elas poderiam ver e discutir”. Entretanto, o diretor alega que apesar da dificuldade, vale a pena estar na cidade e desenvolver as propostas.

“Dar a forma”

João Paulo Wilarim, artista requisitado pelas contribuições que desenvolve no cenário cultural da cidade, assina o trabalho de corpo do espetáculo “Quem sou eu? Quem é você?”, apresentando o conceito estético do espetáculo. Para ele, existe o objetivo de gerar a conexão entre corpo, criação e execução em cena. “Quando pensamos no espetáculo, nós assumimos esse compromisso de nos manter fiéis à primeira montagem, nos tornar responsáveis com cuidado do processo que nós criamos. Nessa construção, percebemos que a proposta pensada tempos atrás, é atual, que acontece hoje em nosso país e em nossa cidade”. 

João Paulo comenta que ao perceber essa conexão, o despir-se ou vestir-se na construção de um personagem, traz muito do processo humano que se entende em meio a diversidade. Ele também explica que a proposta trazida pelo figurino, assinado por Rômulo Schettini, trabalha a questão do respeito à individualidade de cada um e, que no processo da evolução, se iguala. “Somos todos iguais no processo de compreender a diferença. Isso é humano, individual, coletivo. O espetáculo traz para nós essas grandes interrogações. O trocar, misturar esses elementos, foi o grande saque do nosso diretor”.

“De volta”

O retorno do “Quem sou Eu? Quem é você?” foi uma oportunidade de reencontro e ressignificação da construção realizada há mais de dez anos. Nesta nova montagem, Welinton Fagundes trouxe artistas que estiveram no elenco original como Eliene D’Goió, João Paulo Wilarim, Juarez Oliveira e Tim Borges. “Naquela época nós estávamos trazendo um texto, que de uma certa forma milita, neste atual processo contemporâneo, em que o conservadorismo reina em nosso país, trazer novamente este espetáculo é um grito de revolta, em que afirmamos que as escolas precisam ter aula de filosofia, sociologia. Afirmamos que nós existimos e resistimos”, declara Juarez.

Eliene D’Goió traz um novo ponto de vista, sobre seu próprio processo dentro do espetáculo. Segundo ela, na primeira oportunidade em que esteve na produção sua perspectiva se voltava para o estético, o belo e o lúdico, entretanto, quando retornou a produção já trouxe uma visão mais voltada para os conflitos de pensamentos e atitudes. “Eu não criei o meu personagem, eu não estudei, eu não fiz um laboratório, porque eu já sou esse personagem na sociedade, tudo isso remeteu a questões pessoais. Quando a gente fala ‘quem é você?’, então é fácil falar, é fácil apontar o outro, mas quando reverte a pergunta ‘quem sou eu?”, remete reflexões do cotidiano. Eu não fiz a busca desse personagem-ficção, é o meu eu, é o meu real”. Ela aponta que o elenco não vai para o palco representar, vai questionar esses papéis “Quem sou eu? Quem é você?’.

Tim Borges comenta que o retorno representou a oportunidade de algo, que se viveu e que se deseja voltar para fazer melhor. “É uma oportunidade de revivermos isso já mais maturado, e consegue transpor esse sentimento no personagem com mais força. Isso vem num momento muito bom, eu acredito, em que a sociedade está dividida. Onde o conservadorismo está escancarado, que antes era maquiado e hoje ele está realmente escancarado. Então hoje quem é preconceituoso, racista, homofóbico, hoje deixa transparecer isso. A gente percebe o quanto a sociedade precisa se transformar, e são essas experiências de vida que a gente traz”. De acordo com Tim Borgens, a peça não é algo que se deva encarar como parado, mesmo que ela não seguiu sendo apresentada entre a montagem anterior e a atual, ela seguiu sendo melhorada no interior de cada pessoa envolvida na experiência.

João Paulo externa que na época da primeira montagem era um pessoa totalmente diferente, com outras visões e comportamentos, entretanto, aquela versão anterior é o alicerce do seu eu de agora. “Por isso, nós nos mantivemos, em muitas questões, fiel ao que foi feito, é um espetáculo totalmente contemporâneo. Eu acho que ele desafia a gente a questionar o egocentrismo de cada um, ‘quem é você?’, a gente quer que nosso público saia daqui se questionando”. O coreógrafo afirma que ao ser convidado para assinar o trabalho de corpo, se sentiu desafiado na montagem anterior e, na atual, sentiu o desafio da mesma forma, já que os corpos são os mesmos em um processo de envelhecimento e amadurecimento, além de receber os novos corpos dos atores que se unem nesta mistura, para entender o que de fato é o sentido do espetáculo. “Um alicerce, porém com corpos e cabeças diferentes, mas que propõem esse questionamento com quem compartilha conosco a experiência”, completa João Paulo.

“O corpo novo”

Os três jovens artistas que se juntaram à produção na atual montagem, que vem se destacando em projetos do cenário cultural da cidade de Poções. Ajudar a recriar uma obra já construída e ser parte da novidade pode ser uma experiência como nenhuma, Vinni Keller traz essa perspectiva sobre seu processo. “Eu entendi o convite para participar do espetáculo como um presente, eu nunca tinha feito nenhum trabalho com essa abordagem, foi realmente desafiador. A responsabilidade que assumimos ao subir no palco, levantar diversas questões humanitárias, foi o mais difícil eu acredito, mas o elenco antigo nos abraçou, principalmente na minha insegurança quanto ao texto. Eu me senti super acolhido e confortável para construir o meu personagem, uma das maiores dificuldades, acredito, é construir um personagem sem um padrão identitário fixo, mas no final do trabalho eu descobri diversas facetas” conta.

Para Welington Sena, ao entrar para o teatro  “Quem sou Eu? Quem é você?” é o tipo de espetáculo que se almeja trabalhar. “Quando Welington me convidou, eu falei ‘E agora? Eu quero estar, mas será que estou pronto?’, eu lembro que eu vim para ver uma passagem de texto dos meninos e, eu não pretendia estar no elenco, eu iria só ver como aconteceria justamente por essa questão do ‘poxa, tem pessoas com tanto tempo de teatro, tem pessoas que já estão na roupagem antiga, como eu vou estar perto dessas pessoas?’”. Ele afirma que foi se integrando à peça e só se percebeu nela, quando já estava totalmente envolvido. Segundo, Welington, criar o personagem tem muito do subjetivo, da urgência de viver. “Nós não sabemos se teremos um amanhã para fazer diferente, eu não sei se essa roupagem me agrada e o mundo me confirma demais com tudo que eu vejo, isso não é legal para mim. A peça me desloca nessas questões, quando eu me pergunto ‘Quem sou eu?’, eu não encontro respostas e também não pretendo encontrar respostas para isso, mas é me questionar sempre”.

“Perspectivas construídas”

“É desafiador, porque quando você escreve algo, você se preocupa com o impacto, ‘como vai ser esse impacto? Primeiro você pensa em quem está interpretando”‘, desabafou Welinton Fagundes ao falar sobre os novos intérpretes, ele já conhecia o desempenho de quatro dos artistas elencados na produção, mas ele não sabia como seria para o novo receber esse texto. “O mais impressionante é que os meninos entraram nos trilhos da peça, não houve grandes dificuldades. Eu vi que foi assimilado o que eu imaginei, o que do texto poderia elevar ao público. Eu percebi que eles captaram e foi gratificante para mim. Eu escrevo algo, que vai se modificando no processo, eu vou colhendo as informações. Vai potencializar o texto”.

Eliene D’Goió comenta que a percepção do público à obra é uma caixinha de surpresas, uma Caixa de Pandora que, segundo a lenda, a caixa cheia de males foi dada por Zeus a Pandora e ela liberou os males no mundo. “Essa caixinha que o público espera, na verdade esses males já estão por aí, a gente tem essa caixinha representativa”.

Vinni Keller, por sua vez, traça uma reflexão sobre o fim do processo em si: “Enquanto  ator, eu acho que foi uma sacada legal nós tentarmos enxergar todas essas coisas negativas que tratamos na peça dentro do nosso eu, que às vezes não percebemos que faz por aí. Essa absorção e posteriormente  o refrigério, nós melhoramos como pessoas, no sentido de entender as significações que queremos trazer a partir de nós mesmos para o público”.  

Para Juarez Oliveira o espetáculo permitiu sua evolução não só como ator, mas também como pessoa. “ O texto é profundo e mexe com o meu eu, por ser quem eu sou, eu tenho meu corpo cortado o tempo todo e com esse texto, não foi uma válvula de escape, foi um escudo para me defender de uma sociedade tão má com pessoas como eu” diz.

Fotos: Acervo Caroá

Este conteúdo, sobre os bastidores do espetáculo, foi originalmente coletado pelo projeto “Poções+Arte” do estudante de jornalismo João Roferr, em dezembro de 2021 e, agora, publicado pelo Site Coreto.

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