Xadrez também é esporte: enxadristas enfrentam desafios para manter a prática viva em Poções

Postado em 24/11/2023
Por Daniela Palmeira

Dentre as muitas paixões em comum, os irmãos Alex e Alan Conceição, compartilham também o interesse e entusiasmo pela prática de xadrez. Hoje, Alex Conceição é professor e artista, mas sempre que possível, dedica um pouco do seu tempo para o xadrez, seja para estudar, jogar ou mesmo participar de competições. Alex Conceição lembra que quando surgiu sua curiosidade pelo esporte, ele tinha apenas 15 anos e considerava o xadrez um jogo elegante, apesar de não ter muita noção das estratégias, regras ou do que era preciso para jogar. Por isso, Alex Conceição percebe que seu interesse surgiu de forma natural. “Comecei da forma mais pura possível, me interessei sem ninguém necessariamente falar, me interessei porque eu achava bonito o jogo”, conta.

Foi nessa mesma época que conseguiu comprar seu primeiro tabuleiro, “um xadrez dos mais baratos que tinha na famosa lojinha de um real”. Para Alex Conceição, naquele momento, o mais importante era aprender a jogar e aquele tabuleiro foi a sua oportunidade de aprender, pois acompanhava junto as peças, instruções básicas sobre o jogo. “Aprendi olhando essas instruções”, explica. O primeiro impulso de Alex Conceição ao compreender as regras do jogo foi o de ensinar ao seu irmão, Alan Conceição, que tinha seis anos, como jogar, para acompanhá-lo nas partidas. Alex Conceição lembra com carinho desses momentos, pois seu irmão foi a primeira pessoa com quem jogou e que contribuiu para ampliar os conhecimentos sobre o xadrez.

Assim como Alex Conceição, hoje Alan Conceição é professor e artista, no entanto, aos seis anos sua visão sobre o xadrez se distanciava do entusiasmo do irmão, o esporte passava longe de ser o seu favorito. “Com seis anos de idade eu não gostava de xadrez porque eu não sabia dar xeque-mate, não sabia ganhar no xadrez, e criança quer ganhar no xadrez”. Alan Conceição tem muito viva em sua mente as lembranças das primeiras vezes em que jogou com o irmão. Ele conta que sempre perdia as partidas, enquanto o irmão ganhava todas. Alan Conceição chegou até mesmo a se distanciar do xadrez por algum tempo, pois acreditava que não entendia nada do jogo, e que de alguma forma, aquele não era um jogo para ele. Olhando em retrospecto, depois de ter feito as pazes com o xadrez, Alan Conceição entende que “era um prodígio de seis anos, pois sabia movimentar as peças, entendia tudo”.

Alex e Alan Conceição passaram por momentos em que se afastaram da prática e estudo sobre o xadrez. Contudo, quando os irmãos viram surgir na cidade alguns campeonatos voltados exclusivamente para o xadrez, perceberam esses eventos como uma possibilidade e  um estímulo para voltarem a se dedicar ao esporte. Dentre os campeonatos que participaram, os irmãos destacam o Primeiro Aberto de Poções (Troféu Steinitz), como um momento importante das suas trajetórias como enxadristas, e seu organizador, o educador físico e também enxadrista, Franciolly Judson, como um grande incentivador do xadrez em Poções.

Alex Conceição conta que sua participação nesse campeonato foi marcante, pois disputou com muitos jogadores que já eram experientes e ainda assim conseguiu ficar no pódio, ocupando o segundo lugar. Alan Conceição considera o campeonato um momento especial, porque desde o dia em que decidiram competir, o xadrez não saiu de suas vidas. “A gente nunca mais parou de jogar xadrez. Não temos tempo exclusivo para jogar e treinar, mas peguei paixão pelo jogo”. Para Alan Conceição, o xadrez deixou de ser apenas um jogo e tornou-se uma prática cultural.

Conforme o interesse de Alex e Alan Conceição pelo xadrez aumentou, os irmãos sentiram a necessidade de estimular a prática e movimentar o cenário desse  esporte na cidade. A ideia era criar algo como um clube, no qual enxadristas pudessem se encontrar para jogar e que possibilitasse também a aproximação entre a comunidade e o xadrez, ou seja, que qualquer pessoa que tivesse curiosidade  pudesse acompanhar os jogos e aprender um pouco sobre o esporte. Foi então que em 2017, Alex e Alan Conceição se juntam à Franciolly Judson para tentar tirar o projeto do papel e conseguem dar início a prática de xadrez no Centro Cultural Fedele Sarno, com jogos aos domingos. Contudo, foi impactado pelo fechamento da casa de cultura, e os enxadristas ficaram sem um lugar físico onde pudessem jogar. 

Alex conceição, 1° lugar no XXI Memorial Dário Ciacci de Xadrez de Vitória da Conquista.

Estimulando a prática: o projeto Xadrez na Praça

Franciolly Judson movimenta o cenário do xadrez em Poções desde 2010, além de organizar eventos, ele também trabalhou com o ensino de xadrez nas escolas. Diante de sua experiência, percebe que são inúmeros os benefícios que o jogo traz para os seus praticantes. “O desenvolvimento do intelecto, do raciocínio lógico e cognitivo, como também o desenvolvimento da concentração, da interpretação, da capacidade de cálculo,  da paciência e da disciplina, isso sem falar dos benefícios comprovados pela ciência que são: o desenvolvimento de algumas partes do cérebro, principalmente da massa cinzenta, como atua na produção de neurônios, auxiliando no desenvolvimento da criatividade e da inteligência”, cita Franciolly Judson.

Alex Conceição acredita que o xadrez é um jogo importante principalmente para que as pessoas desenvolvam senso crítico. Por mais que aparente ser um jogo puramente estratégico, ele exige dos jogadores constante reflexão e questionamentos sobre o desenvolvimento do jogo. “Pode até não parecer, mas a grande pedra fundamental do xadrez não é você conseguir prever jogadas, […] é principalmente você estar a todo momento se questionando, o desenvolvimento crítico parte disso, de você não aceitar a coisa pronta e acabada”, explica Alex Conceição. 

Alan Conceição, assim como Franciolly Judson, já trabalhou com o ensino de xadrez, principalmente para crianças e jovens do seu bairro, de forma independente e voluntária. Por isso, acredita que além desses benefícios, o xadrez pode ser também uma ferramenta de transformação social, sobretudo no caso de crianças que não se identificam com outros esportes, ou mesmo para aquelas que estão em alguma situação de vulnerabilidade. 

Levando em consideração essas vantagens, Alan Conceição, Franciolly Judson, Alex Conceição e Carlos Martins formam novamente uma parceria e criam o projeto Xadrez na Praça. A iniciativa visa, assim como no projeto anterior, suprir a necessidade dos enxadristas do município em praticar o jogo e ser uma forma acessível de aproximar a comunidade do xadrez. “Um dos meus objetivos enquanto proponente do projeto, é dar acesso a quem não tem e é jogar com os colegas também, porque nós temos grandes enxadristas aqui em Poções”, relata Alan Conceição.

O projeto acontece quinzenalmente, aos domingos, na Praça da Juventude e reúne diversos enxadristas do município. Alan Conceição e Franciolly Judson explicam que qualquer pessoa pode jogar xadrez e assistir aos jogos pode ser uma forma de aprender. Para fazer parte dos encontros do Xadrez na Praça, basta aparecer no dia e horário combinado, divulgados nas redes sociais de Alan Conceição. Os encontros não são disputas ou competições, mas uma forma de praticar xadrez de forma leve e descontraída com outros jogadores. “O Xadrez na Praça é essa oportunidade, da criança, do jovem, do adulto, do idoso, de quem está a fim de jogar xadrez”, reforça Alan Conceição. 

Alguns enxadristas participam do projeto desde a sua formação, como é o caso de Luís Gustavo Chaves. Ele conta que começou a jogar na escola em que estudava, quando ainda tinha oitos anos de idade, o xadrez sempre lhe chamou a atenção e com o passar do tempo seu interesse só aumentou. “Fui percebendo que não era apenas um jogo e que ele era bem mais complexo do que eu imaginava”. Luís Gustavo Chaves chegou a participar das aulas de xadrez que Alan Conceição ministrou na Filarmônica, além de aulas on-line. Foi a partir do contato com essas aulas que ele conseguiu se aprofundar no xadrez e aprender mais sobre o jogo. “Um dos maiores privilégios que tive, foi ter aulas com Alan”. Luís Gustavo Chaves diz que continua sempre aprendendo sobre as técnicas e toda a complexidade que envolve o jogo e o Xadrez na Praça é hoje um dos grandes incentivadores.

A troca de experiências e a oportunidade de aprender constantemente a refletir sobre o jogo, são,  para Maurício Lima, fatores que o motivam a participar do projeto. Ele gosta do xadrez principalmente pela diversidade de possibilidades que uma partida pode ter e também por estimular o jogador a pensar e criar estratégias específicas para cada jogo. Maurício Lima conheceu o Xadrez na Praça por meio de um colega que já frequentava os encontros e o convidou para participar, ele gostou da ideia de jogar com outros enxadristas e começou a fazer parte do projeto.

Os desafios em manter o projeto

“Não se vê o xadrez nem como um esporte, nem como uma prática cultural aqui no município”, explica Alan Conceição. Essa visão distancia a comunidade do xadrez, fortalecendo o estereótipo de que o esporte não é acessível e como consequência  acaba desencorajando iniciativas como a de Alan Conceição, Franciolly Judson, Alex Conceição e Carlos Martins, pois não há incentivos que ajudem a manter o projeto. Atualmente, o Xadrez na Praça é organizado sem patrocínios ou apoios públicos, o que faz o projeto acontecer é a parceria entre os enxadristas de Poções que sentem a necessidade de fomentar e estimular a prática de xadrez.

Para Alex Conceição, o fato de o xadrez ser um esporte que ainda está conquistando espaço e visibilidade na cultura brasileira, faz com que haja uma dificuldade do poder público e das empresas privadas em enxergar o valor que existe no esporte. Contudo, a falta de apoio impede que os enxadristas consigam se articular, montando um clube físico, por exemplo, organizar e participar de torneios e expandir projetos envolvendo o xadrez. 

Alan Conceição conta que a principal demanda do projeto é ter um espaço físico para jogar xadrez. Como o projeto acontece na Praça da Juventude, ao ar livre, inúmeras vezes os encontros precisaram ser desmarcados devido a chuva, pois não há nenhum tipo de proteção na praça que torne viável a organização das partidas. Mesmo nos dias de sol, as altas temperaturas podem também ser um incômodo, visto que os jogadores ficam expostos na praça. 

Para que os jogos aconteçam, os enxadristas que possuem seus próprios tabuleiros levam para o encontro e compartilham entre si. “Sempre deixamos a critério das pessoas que possuem um ou mais jogos e que tenham a disposição e boa vontade de levá-los a fim de enriquecer o projeto, tanto materialmente, quanto humanamente”, diz Franciolly Judson. Apesar disso, para conseguir as mesas para jogar, os enxadristas dependem da boa vontade de outras pessoas que estejam dispostas a colaborar. Atualmente os participantes contam com a ajuda do Boteco do Neguinho, que durante a tarde cede algumas mesas e cadeiras, utilizadas nos encontros. “Ficamos muito à mercê, se a gente chegar lá e não tiver mesa, não tem xadrez”, explica Alan Conceição.

Alex e Alan Conceição já procuraram o poder público municipal em busca de apoios que ajudassem o projeto  de Xadrez a se formalizar como um clube, ou que pelo menos auxiliassem a suprir suas necessidades básicas. No entanto, nunca receberam um retorno concreto, a grande maioria das respostas foram vagas e sem nenhuma garantia de interesse em se comprometer com o projeto. 

O Site Coreto procurou a Coordenação de Esportes para entender se havia abertura para diálogo sobre as demandas do projeto, e o porquê dos organizadores não receberem um retorno aos seus questionamentos. O coordenador de esportes, Pedro Ribeiro, explica que a secretaria não tem conhecimento do projeto Xadrez na Praça e que não houve uma procura específica, por parte da organização do projeto, à esse setor. Ainda assim, compreendem a precisão de um espaço para que as partidas sejam realizadas e dizem estar dispostos a conversar sobre o assunto.

Fotos: Daniela Palmeira e arquivo pessoal

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