A saúde mental da mulher na contemporaneidade

Olá, me chamo Daniela Sampaio, sou psicóloga e psicanalista, mãe, pesquisadora, escritora e esposa. Na verdade acredito que sou muitas outras coisas que, opcionalmente, decidi não colocar aqui no texto, haja significantes para tentar, sim TENTAR, definir a imensidão de papéis que gradativamente vamos adicionando às nossas vidas. 

Sem muita enrola, fui convidada pelo Site Coreto à escrever um texto trazendo um recorte sobre nós mulheres, decidi então falar sobre a nossa saúde mental, afinal, a saúde mental da mulher sempre foi muito associada aos aspectos sociais de seu tempo, de modo que diagnósticos eram erroneamente atribuídos à mulher que não se contivesse aos padrões sociais de sua época. E para iniciar esse texto eu quero desencaixotar algumas palavras-chaves: Saúde mental; Ser/tornar-se mulher; Contemporaneidade.

A saúde mental é definida, de acordo com a Organização Mundial de Saúde(OMS), enquanto um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. Não se tratando de algo isolado, a saúde mental configura-se não somente pelas respostas psicológicas e emocionais, mas também de acordo com os critérios de saúde física, social, ambientais e econômicos.

E embora eu particularmente prefira pensar a partir da saúde individual de cada sujeito e, por isso, sinta falta de uma série de menções de aspectos no parágrafo acima, preciso destacar que são a partir desses critérios da OMS que se deve pensar em propostas de prevenção e promoção em saúde para a comunidade como um todo, no entanto, ao considerar os aspectos socioeconômicos e ambientais nos deparamos com um contexto no qual as minorias acham-se em desvantagem para tal. 

E é nesse ponto que desejo destacar a saúde mental da mulher, uma vez que, muito embora tenhamos encontrado espaços para ampliar nossas possibilidades enquanto sujeitos, apesar do lugar de fala que tem se expandido diante de muitas bandeiras levantadas e lutas, há uma urgência de reconhecer o quanto há de aspectos que, do ponto de vista emocional e psicológico, tornam nossa sociedade insalubre para nós mulheres. Aqui, eu gostaria de convocar cada leitora mulher a pensar nas tarefas que desempenha cotidianamente, o que fazem em seu dia a dia? Quais são os seus medos? Quais são os seus desejos? 

Daniela Sampaio

Ninguém nasce com uma distinção de gênero pré-estabelecida, toda e qualquer construção de gênero se dá na medida em que vamos nos constituindo seres de linguagem, é nesse ponto que “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” (BEAUVOIR, 1949), essa frase que dá margem à tantas interpretações e que merece um destaque para que a gente pense na maneira como o social descreve e destina um lugar para que os sujeitos os ocupe, por quais motivos se pensa nas tarefas, comportamentos, necessidades e desejos que devem ser de uma mulher? Quem e como inventou o que é SER UMA MULHER? É a partir desse despertar que temos nos permitido ousar e seguir nossas vidas em maior identificação com nossos interesses e desejos.

Porém, na medida em que os sujeitos que compõem uma determinada sociedade mudam, o discurso social se modifica, mesmo que de maneira gradual, desse modo, a nossa contemporaneidade capitalista tem se acelerado em tentar acompanhar a expansão do espaço da mulher no social e, consequentemente, novos padrões vem se estabelecendo de maneira muito voraz. A partir disso as taxas de adoecimento, os sintomas de estafa, o número de diagnóstico de transtornos nas mulheres tem apresentado uma crescente que nos preocupa e faz com que se questione o que há de errado na maneira como estamos vivendo nossa vida hoje, afinal temos espaço profissional, acadêmico e social como nunca antes imaginado, e muito embora reconheçamos as necessidades de melhoria e mudanças que se presentifica com urgências, ainda assim vivemos numa época com maiores oportunidades do que, por exemplo, para a geração passada. Então o que há de errado? À quais pontos devemos nos atentar com maior cuidado?

Nunca se vendeu tanta cirurgia e procedimentos estéticos, nunca tivemos uma rotatividade tão grande na moda, nunca produzimos tantos manuais de como exercer nossos papéis como agora. E tudo isso tem sido vendido de maneira muito violenta e, infelizmente, muito sútil. Em paralelo a tudo isso, muito embora exista um endosso no discurso de que devemos ser quem desejarmos, fazer o que quisermos, traçar as rotas conforme o que nos parecer melhor, há uma tentativa embutida de dizer ainda hoje o que é UMA MULHER. E, quando somos capturadas pela comercialização caricata do que é SER MULHER caímos, consequentemente, no abismo da sobrecarga, dos sentimentos de incapacidade, dos medos, da necessidade subjetivamente incutida no social de estar sempre mostrando que podemos e conseguimos, e que nos faz ter medo de falhar. E, ao descrever os sintomas mais presentes no adoecimento das mulheres de hoje, não quero que pensem que ter mais espaço é um problema ou ponto inicial e primordial de adoecimento, muito pelo contrário, é disso que precisamos para construir um contexto ambiental e social que melhor favoreça, em termos de igualdade, as nossas possibilidades de bem viver em saúde física e mental. Porém, é necessário uma atenção aos aspectos que permeiam a nossa subjetividade, sim aqueles pensamentos que escutamos em nossa cabeça em vários momentos todos os dias, para observar quais têm sido os fantasmas que nos assombram.

Ter várias possibilidades de espaços para ocupar beira algo de uma liberdade, mas existe uma linha muito tênue que separa mulheres da ampliação de suas possibilidades e do aprisionamento psíquico que uma sobrecarga e um excesso pode ocasionar. Afinal, quanto mais temos lugares possíveis para ocupar diante do nosso desejo, aparentemente, maiores para muitas mulheres tem se tornado as jornadas cotidianas de trabalho, bem como o excesso de demandas

Não é curioso que ao mesmo tempo em que há uma ascensão das mulheres no mercado de trabalho, ocorre um aumento drástico na comercialização de procedimentos estéticos? Não chama a atenção o fato de que na medida em que mulheres têm conseguido conciliar a maternidade com a carreira profissional, se inicie uma venda excessiva de cartilhas de como ser uma mãe exemplar?  Claro que podemos sempre buscar ampliação de conhecimento e melhorias para o que consideramos válido, mas estou falando aqui dos EXCESSOS, e são esses excessos que se exibem frequentemente nas vitrines físicas ou virtuais, que reproduzem simbolicamente qual deve ser o lugar da mulher, ou melhor: o que é ser uma mulher! E tudo que tenta definir com excesso de precisão acaba por limitar (devolver às caixas) mais uma vez os sujeitos, pois rouba-lhes espaço.

Não é normal ter pensamentos autodepreciativos com frequência, duvidar de si de forma excessiva, sentir-se inadequada, se angustiar sempre que está prestes a fazer algo do seu trabalho, busca excessiva de aprovação externa, pensamentos de tristeza ou inadequação… Acho que poderia escrever um segundo texto com uma série de sintomas que me são narrados cotidianamente na clínica, por cada mulher, em cada atendimento, mas quero finalizar esse texto com a mensagem de que se a voz que ressoa em sua cabeça faz com que se sinta mal, inferior, reduzida ou deprimida, saiba que não é normal e que isso pode ser um sintoma inicial de que precisa olhar com mais cuidado para si. 

Foto de capa: Freepik

As referencias dos materiais usados para a construção do artigo estão disponíveis aqui!

Daniela Sampaio é Bacharel em Psicologia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Pós graduada em Psicopatologia Psicanalítica – FASU e atua como Psicóloga clínica e Psicanalista: atuação presencial em Vitória da Conquista – BA e atendimentos remotos. Contato: danielasampaio.psi@gmail.com

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